Em uma semana com intensa crise entre o Palácio do Planalto e militares, após o presidente Jair Bolsonaro demitir o general Fernando Azevedo do Ministério da Defesa, e os três comandantes das Forças Armadas, o mandatário aproveitou o sábado para passear com o novo chefe da pasta, general Braga Netto. Eles foram a uma entidade beneficente que distribui sopa a pessoas carentes na região administrativa de Itapoã, no Distrito Federal. De lá, o presidente fez uma transmissão ao vivo na qual afirmou que as Forças Armadas “estão à disposição para começar a vacinar”, para colaborar com a vacinação. “Praticamente todos os quartéis do Brasil têm essa condição. Da Marinha, do Exército e da Aeronáutica”, disse.
No Ministério da Defesa já existe uma ampla operação dos militares para logística e apoio na vacinação durante a pandemia. As Forças Armadas auxiliam no transporte de pacientes, medicamentos, insumos, vacinas, segurança da mercadoria e, caso solicitado pelo Ministério da Saúde, ajudam na vacinação. Em geral, essa cooperação ocorre em regiões distantes e de difícil acesso, como aldeias indígenas na Amazônia, e não nas capitais e grandes centros.
Com o agravamento da pandemia, o governo está inclinado a pedir um reforço na ajuda militar. Ontem, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse ter conversado com Braga Netto e Bolsonaro. “Por determinação do nosso presidente, que está pessoalmente empenhado em aumentar a cobertura vacinal do país, nós teremos o apoio das Forças Armadas, seja na logística de distribuição de vacinas, seja por meio do corpo técnico da Saúde, ajudando estados e municípios a vacinarem a população brasileira de uma maneira muito efetiva”, afirmou.
O próprio ministro, entretanto, destacou que o problema no país não é capacidade de vacinação, mas falta de imunizante. “Uma das coisas que o nosso sistema de saúde faz muito bem é vacinar. Nós temos mais de 37 mil salas de vacinação em todo o país e temos uma capacidade de vacinação ainda ociosa por uma série de motivos, mas, sobretudo, por falta de vacina”, explicou.
Queiroga relatou que já existe o apoio dos militares durante a pandemia, com participação nos programas de imunização. “É só ampliar, na parte logística, na parte operacional”, esclareceu, ressaltando a capacidade dos fardados em fazer insumos chegarem às áreas mais remotas do país, característica que ajuda “estados e municípios a vacinarem a população brasileira de maneira muito efetiva”.
Desconforto
Internamente, houve um desconforto com as declarações, pois as Forças Armadas já atuam no combate à pandemia. A resposta do Ministério da Defesa veio em nota, na qual a pasta afirmou que “apoia a vacinação contra a covid-19 desde o primeiro dia da campanha, em 19 de janeiro de 2021”. “Na ocasião, as aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB) transportaram doses da vacina para 11 capitais, além do Distrito Federal. Caso sejam demandadas novamente, as Forças Armadas estão em condições de apoiar a vacinação da população em geral, mediante a coordenação com o Ministério da Saúde e demais órgãos envolvidos”, informou a nota.
A Defesa ressaltou também que as Forças Armadas “sempre estiveram envolvidas na distribuição de vacinas para populações e comunidades indígenas em locais de difícil acesso”. “Até o momento, 194.734 doses de vacina foram aplicadas, em 13 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIS), com o apoio dos Comandos Conjuntos da Operação Covid-19, coordenada pelo ministério”, apontou. A pasta disse, ainda, que militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica também estão prestando apoio logístico aos postos de vacinação das secretarias municipais de saúde de seis capitais. “As Forças Armadas atuam na Operação Covid-19 desde 20 de março de 2020. À época, o Ministério da Defesa ativou dez Comandos Conjuntos e 34 mil militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica assumiram a missão de salvar vidas”, frisou.
Queiroga não especificou de que forma esse apoio interministerial seria fortalecido. “O presidente, eu e o ministro Braga Netto conversamos hoje (ontem). Então, ainda não podemos ter um plano detalhado”, disse. Mas, segundo indicou Bolsonaro, a ideia é ampliar a capacidade de distribuição das vacinas e colocar militares na linha de frente das aplicações, começando dentro dos quartéis.
Na alta cúpula do Planalto, a movimentação foi vista como sinal de que, mesmo com a escolha de um profissional da saúde para substituir o general Eduardo Pazuello na liderança do Ministério da Saúde, a atuação dos militares ainda é ponto forte no governo Bolsonaro. Afinal, mais uma vez, o presidente da República recorre à ala para confiar a missão de fortalecer a estratégia de vacinação. Soma-se a isso a intenção de deixar Braga Netto sob holofotes positivos, em meio à crise criada pelo presidente junto aos militares ao fazer algo inédito no período da República: demitir ministro e comandantes das Forças simultaneamente, decisão que estremeceu a relação entre Bolsonaro e a caserna.