O novo ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, negou, em entrevista ao Correio, que haja interferência política na Polícia Federal. “Zero”, afirmou. A questão é muito discutida desde o ano passado, quando o ex-ministro da Justiça Sergio Moro pediu demissão acusando o presidente Jair Bolsonaro de tentativa de interferência na instituição. Um inquérito foi aberto no Supremo Tribunal Federal (STF), mas ainda não foi concluído.
Na época, foi divulgado o vídeo de uma reunião ministerial a qual Moro dizia que ficava claro as tentativas de interferência de Bolsonaro na PF. Na gravação, o presidente diz que tentou “trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro”, mas que não conseguiu. “Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar!”, afirmou. O presidente negou, na época, que se referia à PF.
Depois que assumiu o Ministério da Justiça, Torres trocou o diretor-geral da PF, colocando Paulo Maiurino no lugar de Rolando Alexandre. Maiurino já ocupou diversos cargos políticos. Passou tempos afastado da função exercendo cargos de assessor nas secretarias de Segurança Pública de São Paulo, do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, já foi secretário de Esportes do estado de São Paulo, na gestão Geraldo Alckmin, e secretário de segurança do Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado.
Assim que assumiu a diretoria, trocou alguns superintendentes, dentre eles o do Amazonas, Alexandre Saraiva. A troca ocorreu no mesmo dia em que Saraiva enviou uma notícia-crime ao STF contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por integrar "organização criminosa" e por tentar "obstar investigação". A acusação é de que o ministro teria atuado para proteger madeireiros ilegais. Sobre o assunto, Torres disse que a informação que chegou a ele é que a demissão ocorreu antes de a notícia-crime ser enviada ao STF.
“Não quero julgar o colega, até porque, entendam, eu sou instância aqui. Então, não me cabe fazer uma avaliação dessa situação agora. Como ministro da Justiça, eu sou instância para qualquer coisa que aconteça na PF. Então, falar de caso concreto para mim é ruim. O diretor-geral tem a liberdade para fazer toda e qualquer mudança que ele entender pertinente para a administração dele dentro da Polícia Federal. O que nos cabe aqui é fornecer meios e cobrar resultados”, afirmou.
Questionado se confiava na atuação de Saraiva, disse confiar na Polícia Federal. Individualmente, lá dentro, acho que quem tem que avaliar é a corregedoria da Polícia Federal. E ela funciona muito bem, isso eu posso te garantir”, relatou.
Ao Correio, Saraiva afirmou que ficou sabendo de sua troca no dia 15 de abril por meio de uma nota divulgada pela PF. O texto dizia que o delegado havia sido informado da demissão no dia 14, dia que enviou a notícia-crime ao STF. "É mentira", pontuou.
Além disso, Saraiva disse que a notícia-crime enviada ao Supremo, de 38 páginas, começou a ser redigida no dia 10 de abril, sábado, assim que os documentos chegaram à superintendência. É possível confirmar a informação nos metadados (informações que constam em um documento em que é possível ver a sua data de criação, por exemplo) do arquivo, que mostram que ele foi criado no dia 10 e com a última modificação no dia 14.
Na última quinta-feira (29), Torres autorizou o emprego da Força Nacional em apoio ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em ações de repressão ao desmatamento ilegal na Amazônia Legal. “Esse trabalho integrado, em parceria com o ministro @rsallesmma , garante mais assertividade no enfrentamento a qualquer tipo de prática criminosa que atinja o meio ambiente”, informou pelo Twitter.
Confira trechos da entrevista do ministro ao Correio:
Ministro, o senhor falou que a Polícia Federal tem um representante dele que cuida da Polícia Federal. Houve muita discussão sobre a saída do superintendente do Amazonas, Alexandre Saraiva. O senhor participou, não participou?
Eu nomeei o diretor da Polícia Federal com liberdade para mexer no time dele do jeito que ele quiser. Da mesma forma que o presidente me colocou aqui com liberdade para mexer, e ele está falando as mexidas que ele acha que são importantes. É muito difícil eu opinar. Mas uma coisa precisa ser dita: o superintendente da Polícia Federal é o representante da Polícia Federal naquele lugar. É um cargo da administração central. A Polícia Federal tem uma política muito interessante, que sempre foi assim e eu acho importantíssimo que seja dessa forma, de não manter um superintendente mais que dois anos, dois anos e meio na superintendência. E essa troca é natural e salutar para a instituição.
Então, o diretor-geral chegou e está fazendo aquela análise. Até onde eu fiquei sabendo, o colega lá de Manaus estava lá há 3 anos e meio e há 10 anos andando na região Amazônica. Ele resolveu trocar, como está trocando outros vários outros no Brasil.
Mas ele trocou no dia em que a notícia-crime foi enviada contra o ministro Salles ao STF. Não é problemático?
Na verdade, o que me falaram… Não vou polemizar isso, até porque é uma decisão do diretor-geral, mas a informação que nós temos é que ele avisou o colega que ele ia ser trocado 15h e 19h ele mandou a notícia-crime. Não quero julgar o colega, até porque, entendam, eu sou instância aqui. Então, não me cabe fazer uma avaliação dessa situação agora. Como ministro da Justiça, eu sou instância para qualquer coisa que aconteça na PF. Então, falar de caso concreto para mim é ruim. O diretor-geral tem a liberdade para fazer toda e qualquer mudança que ele entender pertinente para a administração dele dentro da Polícia Federal. O que nos cabe aqui é fornecer meios e cobrar resultados.
Mas independentemente da questão da mudança, se mudou antes ou depois, houve um problema ali: houve uma apreensão de madeiras, foi enviada uma notícia-crime e há acusações sérias contra um ministro que estaria agindo a favor de madeireiros. Há um problema ali.
Há um problema, e que está sendo apurado. Tem inquérito instaurado, tem uma série de situações. E volto a te dizer: a gente volta a falar de caso concreto. Não tô aqui para dar razão para o ministro e nem para o delegado. Mas o que aconteceu ali vai ser apurado. Até onde eu fiquei sabendo, várias pessoas vieram a Brasília para fazer reclamação da Polícia Federal, do que estava acontecendo ali, e em razão disso o ministro resolveu ir in loco saber. Foi essa a notícia que eu tenho aqui. Vieram envolvidos, parlamentares, reclamar…
Uma investigação criminal também não pode durar ad eternum. Ela tem que ter prazo, até para manter a democracia, para manter os direitos de um lado e do outro lado. Essa foi a reclamação que foi feita aqui em Brasília. Volto a te dizer: eu não estava no governo, não sei o que foi feito, cheguei exatamente no meio dessa confusão. E não vou me manifestar que tenho certeza que no momento oportuno isso vai chegar aqui.
Mas o senhor confia na investigação do Saraiva?
Como é que eu vou te dizer?
Na atuação dele, então?
Eu confio na Polícia Federal. Individualmente, lá dentro, acho que quem tem que avaliar é a corregedoria da Polícia Federal. E ela funciona muito bem, isso eu posso te garantir.
Há interferência dos governos na Polícia Federal?
Zero. zero.
Presidente nunca lhe pediu nada?
Interferência? Zero. Sempre falo isso. ‘Ah, mas tem? não tem?’ Pergunte aos governos anteriores.
Um dos grupos da PF que ninguém mexeu até agora desde que foi montada é esse que o ministro Alexandre de Moraes montou para cuidar do inquérito de ataques e ameaças ao Supremo, fake news. Vai mudar alguma coisa neste grupo?
Essa é uma investigação que o presidente é ele, o ministro. A Polícia Federal apoia essas investigações e é óbvio que quem preside a investigação escolhe seu time. Então, nesse caso, o ministro é o presidente da investigação e ele escolheu aquelas pessoas. Então, é complicado mudar essas pessoas, porque o presidente pode concordar, pode não concordar. É uma prerrogativa dele, eu não sei qual a conversa do doutor Paulo Maiurino, se estiveram juntos, se não tiveram.
Porque o senhor escolheu o Paulo Maiurino?
Quando eu entrei na Polícia Federal, nós éramos dirigidos por delegados do final dos anos 70, início dos anos 80. Os concursos eram muito longe (um do outro), de 4 em 4 anos, 5 em 5 anos. Agora até que tem se feito perto. Depois, vieram os delegados de 1987, depois veio o concurso de 1993, que foi um grande concurso. Aí vem Luiz Fernando Corrêa, Daiello (Leandro Daiello Coimbra), Segovia (Fernando Queiroz Segovia Oliveira), (Rogério) Galloro, e o último foi o do Moro, (Maurício) Valeixo. Cinco diretores gerais deste concurso. Depois desse concurso, tem o concurso de 97.
Mas vamos aqui: fechamos o concurso de 1993, cinco diretores gerais, uma turma que foi prestigiada, teve essa experiência, esse know how todo foi valorizado. De repente, pulamos o concurso de 1997, com 100 caras, pulamos o concurso de 2001, com 500 caras, que é o meu, e fomos ao concurso de 2004, e nomeamos um diretor que entrou, mais ou menos, em 2006, 2007, na Polícia Federal. Na minha visão, para uma instituição que tem os princípios da hierarquia e da disciplina, furou a fila. Isso fere a instituição, independentemente do colega – ele fez uma grande gestão.
O que o senhor fez então?
Voltei para o concurso de 1997. Eu podia ter pego um amigo da minha turma... Não. Voltei para onde a polícia não devia ter saído. Para que a gente siga isso. É importante para uma instituição. Veja os nomes dessa turma: Sandro Avelar, Paulo Maiurino, Zampronha, Moretti. São todos excelentes profissionais. Não estou falando mal de ninguém; só acho que a Polícia Federal não pode ter esses saltos gigantescos. Fica toda uma experiência para trás, e a gente vai sentir falta disso lá na frente. Isso desorganiza a instituição.
Ainda assim, o senhor escolheu um diretor com perfil político. Por que não um perfil técnico?
O Maiurino também é muito técnico. Ele teve uma vivência fora. Minha vivência fora da Polícia Federal, como gestor, foi fundamental. Dr. Paulo vai fazer uma grande gestão. E tem outra coisa, que as pessoas confundem muito: ele é o diretor-geral da Polícia Federal. Ele não toca inquérito. Insisto em dizer: voltei a Polícia Federal para a gestão, para a experiência, porque acho que a instituição estava precisando disso. Isso vai desandando uma série de coisas internamente. E o Paulo foi o cara que trabalhou no mensalão, no mensalão mineiro. Vai dizer que ele não é técnico?
O que mais pesou na escolha?
Além de ser do concurso de 1997, contou o equilíbrio dele. Eu tinha alguns currículos comigo, e achei que era a hora de Paulo Maiurino. Conversei com ele, achei que ele estava preparado, sabe entender esse momento que a PF está passando.
O senhor diz que a interferência política é zero. Mas o presidente é muito presente no trabalho dos ministros. Tem o caso do Moro, que motivou até um processo, e a trajetória do Pazuello. Não é contraditório dizer que não há interferência?
Não. Deixa eu te falar uma coisa. A interferência é zero, principalmente em nossa atividade funcional. Não existe. As pessoas falam “interferência em uma investigação”, “interferência em direcionamento”. Isso é zero. Nunca vi isso dentro da Polícia Federal. De 30 em 30 dias, um inquérito vai às mãos de um procurador da República, de um juiz, para pedir prazo. Talvez um dos instrumentos mais fiscalizados do Brasil seja um inquérito policial: com prazo, metas internas, controle externo, controle interno.
Por isso eu digo que a interferência é zero. E tem outra coisa. Com todo o respeito aos que passaram, a polícia melhorou muito. Eu vejo outro momento na Polícia Federal. Vejo profissionais extremamente preparados, que jamais colocariam o cargo em risco. Agora, mudar o superintendente, mudar o diretor-geral... Isso nunca vai ser interferência.
Isso é normal, então?
Normal. Isso é gestão. Eu não cheguei aqui e coloquei os meus? Isso é interferência? É assim que funciona. Competência e afinidade. É assim que a gente escolhe os cargos.
Mas quando Moro saiu, ele disse haver uma tentativa de interferência política em uma das superintendências, que foi trocada. Inclusive isso foi tratado na famosa reunião ministerial de 2020.
É muito difícil julgar aquele momento. Eu não estava aqui, não sei o que o Moro quis dizer com aquilo. Agora eu conheço a Polícia Federal. Sou da Polícia Federal. Sei o que estou falando. Volto a dizer: trocar o superintendente, trocar o diretor-geral não é interferência quando muda a administração. Hoje uma lei garante que o delegado, no âmbito da investigação, não pode ser tirado. A Polícia Federal tem as amarras dela. Me diga outra instituição tão controlada quanto as polícias? Não tem. É Tribunal de Contas, Ministério Público, Corregedoria, Judiciário, contrainteligência. Não existe instituição mais vigiada do que essa.
Ok, mudanças são questões de gestão. Mas mudar toda hora não atrapalha a continuidade dos trabalhos?
Não muda presidente de inquérito, não muda distribuição de inquérito. Separe a Polícia Federal em dois eixos. Atividade-fim e atividade administrativa. Atividade-fim é o nosso coração. Ninguém mexe, é fechada por uma caixa grande, cheia de osso. É nisso que eu digo que não há interferência. Agora se o cara estava comprando Hilux, e o novo vai comprar S-10, aí eu sinto muito. Se o cara estava fazendo uma sala deste tamanho, e o outro vai diminuir um pouquinho, eu sinto muito. Isso é gestão.
É óbvio que, quando a você sai da zona de conforto, acha ruim. E hoje os colegas optam por um caminho ruim, falando com a imprensa: “Olha, ele vai tirar o cara por causa disso...” Sim, amigo, diga o que vai acontecer. Ah, você vai perder a vaga na sombra, vai parar no sol agora? Entendi. Começa a perguntar isso e você vai ver se as respostas não vêm.
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