Em um dos piores momentos do governo, o presidente da República enfrenta um labirinto de números. Jair Bolsonaro procura o caminho para patamares superiores nas avaliações econômicas, mas só encontra escadas descendentes. E os únicos caminhos que sobem são o de contaminados e mortos por coronavírus e da reprovação perante a população. O número de mortos está a caminho da fúnebre marca de 400 mil, e a quantidade de brasileiros que perderão a luta contra o vírus pode chegar a 5 mil em 24 horas, segundo estimativas da Universidade Federal Fluminense.
E Bolsonaro não poderá dizer sequer que estava preocupado com a economia, pois, como especialistas alertaram durante todo ano de 2020, a quantidade de contaminados e mortos refletiria em um cenário econômico ruim. Nas últimas semanas, a Fundação Getulio Vargas (FGV) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) registraram queda nos índices de confiança de empresários e consumidores brasileiros, puxados, justamente, pelo descontrole provocado pela pandemia. A piora das expectativas é sentida de forma generalizada pelos setores econômicos e deixará investimentos, contratações e o consumo retraídos nos próximos meses, o que deverá segurar ainda mais a retomada econômica do país.
De acordo com a FGV, a prévia da sondagem da indústria de abril indica risco de uma quarta queda consecutiva, de 1,1 no Índice de Confiança da Indústria (ICI). Se a redução se confirmar, o ICI vai de 104,2, registrado em março, para 103,1, a menor marca desde agosto de 2020, quando o índice estava em 98,7. Na série de quedas, as medições ficaram em -3,6 em janeiro, -3,4 em fevereiro e -3,7 em março. Divulgado em abril, o Indicador Antecedente de Emprego (IAEmp) de março, por sua vez, teve queda de 5,8 pontos, e foi para 77,1 pontos. É também o menor número desde agosto, quando o IAEmp estava em 74,8. Segundo a FGV, a queda foi puxada pelo cenário da pandemia.
O IAEmp registrou queda de 2,2 em janeiro e 0,6 em fevereiro. E divulgado em 31 de março, o Índice de Confiança Empresarial é outro com forte recuo, de -5,6 pontos, novamente por conta da crise sanitária, indo para 85,5 pontos. Consequentemente, o Índice de Confiança do Comércio ficou em -18,5 pontos, caindo para 72,5 pontos, e o do consumidor teve recuo de 9,8 pontos, para 68,2.
Um levantamento do PoderData aponta que a taxa de rejeição a Bolsonaro está em 56%. Já de acordo com pesquisa do Datafolha, a reprovação ao governo foi de 40% a 44% entre janeiro e março deste ano. O indicador equivale ao de maio e junho de 2020, pior índice registrado na gestão. O saldo negativo é de 12 pontos percentuais em relação a dezembro, quando a reprovação era de 32%. A esperança de melhora está no avanço da vacinação, sob comando do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, o quarto a assumir a pasta durante a pandemia.
“Cavalo de pau”
O cientista político André Rosa explica que há uma intrincada relação entre os índices econômicos de confiança, a alta de contaminação e mortes por coronavírus e a popularidade do presidente. Além disso, ele lembra, a confiança do consumidor e a do empresariado caminham juntas. “Temos muita confusão entre os Poderes e um Executivo que foi negacionista desde o começo da pandemia e, agora, teve que baixar o tom, usar máscara. Como o empresário avalia? Não tem segurança política. O Brasil dificilmente receberá investimento estrangeiro e não se sabe até quando vai durar a crise sanitária que afeta a economia”, avalia.
Ao mesmo tempo, destaca o especialista, trabalhadores não sabem se permanecerão no emprego e consomem menos, pagam à vista, e o dinheiro para de circular. A piora no cenário, por sua vez, acaba provocando demissões. “E a queda da popularidade está relacionada à má gestão da crise sanitária, que afeta os índices de confiança, principalmente do consumidor”, pontua.
André Rosa lembra que o governo não foi pego de surpresa. O cenário de agravamento da crise era previsto. Para ele, Bolsonaro agiu na esteira do ex-presidente americano Donald Trump que, no entanto, estava em eleições e fez um cálculo político errado ao apostar que o vírus seria passageiro. “Hoje, o eleitor tem o voto econômico. Se tem renda e emprego, reforça o governo. Se cai, busca outra alternativa”, alerta. Para o cientista político, Bolsonaro tenta dar um “cavalo de pau” nas convicções e pode perder eleitores. “Ele tem equívocos em todas as ações. Até para proteger o setor econômico, ele errou”, afirma.
Pátria Voluntária gasta mais do que arrecada
Lançado há quase dois anos, o programa Pátria Voluntária segue firme nas redes sociais da primeira-dama Michelle Bolsonaro, que coordena a iniciativa. No mundo real, porém, o programa praticamente não recebe novas doações desde julho do ano passado. Dados do próprio governo mostram que o Pátria Voluntária gastou até agora mais com propaganda do que destinou em doações. Até março deste ano, o governo empregou R$ 9,3 milhões para divulgar o Pátria. Foram R$ 9,039 milhões em publicidade e mais R$ 359 mil para manter no ar o site do programa. Já as doações feitas por empresas privadas e pessoas físicas que o programa repassou às entidades que atendem pessoas carentes estão em R$ 5,89 milhões. A maior parte foi transformada em cestas básicas. O programa parou no momento em que mais da metade dos domicílios brasileiros enfrentam algum grau de insegurança alimentar em consequência da pandemia da covid-19.
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Chance de protestos
Na visão do estrategista político Orlando Thomé, dos 30% de apoio sólido que Bolsonaro consegue manter desde 2019, cerca da metade já assume um tom cético com o governo. É um grupo que pode vir a abandonar o presidente graças à gestão da pandemia. Ele destaca, ainda, que, mesmo nos melhores momentos do governo, a aprovação de Bolsonaro nunca foi “espetacular”. “Tivemos, ao longo de 2020, uma crise pandêmica em que não havia remédio que não o isolamento. O presidente foi contra. Quando surgiu no mercado a possibilidade das vacinas, abriu-se uma esperança para as pessoas e ele critica os imunizantes. E a narrativa negacionista segue, mesmo o governo liberando recurso”, lembra.
Para Thomé, desgastado, Bolsonaro tenta adaptar as narrativas, mas ele não consegue falar com a mesma intensidade, e a população percebe. Depois, havia expectativa de agentes econômicos sobre a vacina, que o governo atrasou em adquirir. “Isso faz com que agentes econômicos digam 'basta'. O que se reflete nos manifestos de grandes grupos econômicos e na queda nos índices de confiança”, destaca.
Vacina e emprego
Thomé acredita que, após a vacinação, Bolsonaro enfrentará manifestações nas ruas, semelhantes às de 2013. Já o advogado e cientista político Rafael Favetti destaca que Bolsonaro perdeu a oportunidade de mudar o estilo negacionista de outros líderes de extrema-direita no mundo, entre eles, o próprio Trump e o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson. “Teve um segundo momento que o presidente do Brasil foi o maior propagandista mundial de um tipo de tratamento de eficácia não comprovada. E tivemos por derradeiro a rejeição à CoronaVac, que abastece o SUS”, recorda.
Agora, Bolsonaro tenta mudar o discurso sem uma autocrítica, o que gera desconfiança. “Gestores erram. Boris Johnson fez uma autocrítica na TV”, diz. Para piorar, o governo Bolsonaro já não passava os sinais corretos, mesmo antes da pandemia. Principalmente no setor econômico. O intervencionismo de Bolsonaro não dá espaço de manobra para a equipe de Paulo Guedes, o que insatisfaz o setor econômico desde 2019. A reforma tributária e as privatizações não caminham, o auxílio ficou menor, falta vacina e o desemprego cresceu, aponta. (LC e MB)