A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) divulgou,nesta segunda-feira (19/4), uma nota na qual alerta sobre o atual cenário de retrocessos na política indigenista no governo do presidente Jair Bolsonaro, de direitos que já haviam sido conquistados nas lutas dos povos indígenas nas últimas décadas.
O órgão, que integra a Procuradoria-Geral da República (PGR), aponta que a “omissão na concretização da demarcação de terras indígenas, a desestruturação da Fundação Nacional do Índio e a não adoção de políticas públicas em tempos de pandemia compõem” representam “um quadro de violações sem precedentes na atual ordem constitucional”
Em nota, a Câmara aponta que algumas questões já preocupavam, como a Medida Provisória 870, de janeiro de 2019, “que procurava esvaziar as atribuições do órgão indigenista e submeter a temática a outros interesses, notadamente os da pasta da agricultura”. Na época, a área do MPF que cuida da temática alertou para a inconstitucionalidade da medida, e houve rejeição. Conforme a Câmara, isso “permitiu a manutenção da estrutura e das competências administrativas” da Fundação Nacional do Índio (Funai).
“Isso, contudo, não impediu o enfraquecimento da autarquia e de suas atribuições, o que se dá de forma cotidiana e mediante alguns sucessivos atos. Os exemplos são fartos, mas é possível elencar alguns ocorridos no último ano”, pontua, citando que em abril do ano passado, uma instrução normativa da Funai determinava a exclusão da base de dados do Sistema de Gestão Fundiária nacional de todas as terras indígenas que não estivessem no último estágio de reconhecimento estatal, “tornando invisíveis esses territórios”.
“O ato, na prática, tem o condão de validar detenções e títulos de propriedades particulares em tese nulos segundo a Constituição Federal de 1988, desprotegendo a larga maioria das terras indígenas e incentivando a ocupação não indígena. Em face da IN nº 09 o Ministério Público Federal propôs 26 (vinte e seis) ações judiciais em diversas localidades arguindo vícios de inconstitucionalidade, inconvencionalidade e ilegalidade. Até o presente momento, foram prolatadas 19 (dezenove) decisões judiciais favoráveis à impugnação do MPF”, afirma o órgão.
Entre outros pontos, o órgão cita que em julho do ano passado, Bolsonaro “vetou dispositivos importantes” do projeto de lei aprovado no Congresso que estabelecia o Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas. “Dentre os vetos, acesso das aldeias à água potável, materiais de higiene, leitos hospitalares e respiradores mecânicos”. O projeto de lei resultou na Lei nº 14.021/2020, que trouxe em seu texto um dispositivo “que permite a permanência de missões religiosas nos territórios indígenas, inclusive naqueles em que há presença ou registro de povos de recente contato ou em isolamento voluntário”.
“Ademais, neste Abril de 2021 completa-se um ciclo que já dura 03 (três) anos sem que nenhuma terra indígena tenha sido delimitada, demarcada ou homologada no país, aprofundando o déficit demarcatório e agravando o quadro de invasões e explorações ilegais desses territórios”, ressalta.
O órgão pontuou que não foram apenas retrocessos que "marcaram o agir dos três poderes da República na pauta", dizendo que no Congresso, em agosto do ano passado, houve a derrubada do veto presidencial parcial ao referido plano emergencial do enfrentamento à covid-19 em terras indígenas. Os parlamentares também não converteram a medida provisória 910, de 2019, que "se propunha a anistiar a ocupação e o desmatamento de vastas extensões de terras públicas, inclusive em territórios indígenas não definitivamente demarcados".
"Não obstante, preocupa a celeridade de tramitação dos projetos que procuram violar, de forma inconstitucional, os direitos indígenas – como no caso do projeto que trata de mineração em seus territórios", relata.
No Judiciário, o órgão cita que foram vistas "providências consideráveis para evitar o agravamento do quadro de disruptura institucional da política indigenista", como a sustação, no Supremo Tribunal Federal (STF), "de todos os processos judiciais em que se pleiteiam reintegrações de posse em áreas indígenas" enquanto durar a pandemia.
"A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão espera que os povos indígenas não mais experimentem qualquer supressão de direitos no ciclo vindouro, reafirmando sua vigilância em favor dos povos originários", traz a nota.
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