O presidente Jair Bolsonaro deflagrou mais uma crise com o Supremo Tribunal Federal (STF). No dia seguinte à decisão do ministro da Corte Luís Roberto Barroso, que determinou a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para apurar eventuais omissões do governo no combate à covid-19, o chefe do Executivo disparou contra o magistrado.
Bolsonaro publicou nas redes sociais que o ministro “não tem coragem moral” para determinar abertura de impeachment contra seus pares. “Barroso se omite ao não determinar ao Senado a instalação de processos de impeachment contra ministro do Supremo, mesmo a pedido de mais de 3 milhões de brasileiros. Falta-lhe coragem moral e sobra-lhe imprópria militância política”, escreveu numa rede social.
A apoiadores no Palácio do Planalto, Bolsonaro acusou o magistrado de atuar politicamente com a ala da “esquerda” no Senado para desgastar o governo. E mandou recado ao integrante do STF: “Use a sua caneta para boas ações em defesa da vida e do povo brasileiro, e não para fazer politicalha dentro do Supremo”. A reação do chefe do Planalto já era esperada. No entanto a expectativa é de que fosse menos contundente, pois o Executivo tentava se aproximar do STF.
Barroso dava aulas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) quando Bolsonaro fez as críticas. Ao tomar conhecimento do caso pela imprensa, disse que seguiu a Constituição. “Na minha decisão, limitei-me a aplicar o que está previsto na Constituição, na linha de pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e após consultar todos os ministros. Cumpro a Constituição e desempenho o meu papel com seriedade, educação e serenidade. Não penso em mudar”, alfinetou.
O STF, por sua vez, emitiu nota em defesa de Barroso. “O Supremo Tribunal Federal reitera que os ministros que compõem a Corte tomam decisões conforme a Constituição e as leis e que, dentro do Estado democrático de direito, questionamentos a elas devem ser feitos nas vias recursais próprias, contribuindo para que o espírito republicano prevaleça em nosso país”, diz o comunicado.
Na Corte, uma ala menor, puxada por dois ministros, defende que a ordem de instalação da CPI deveria ter ocorrido coletivamente, por conta da importância. Mas outros, menos próximos do Executivo e do Legislativo, avaliam que não teria como tomar uma decisão diferente, tendo em vista que os senadores conseguiram cumprir todos os requisitos constitucionais para iniciar as diligências.
Além de fazer discursos contra a vacina, no começo da pandemia, Bolsonaro e o agora ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello insistiram em recomendar o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus. Além disso, são acusados de omissão na crise da falta de oxigênio em Manaus. Por conta disso, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) fez o pedido para a abertura da CPI da Covid e obteve 32 assinaturas — de acordo com a Constituição, uma comissão parlamentar de inquérito deve ser criada se tiver apoio de pelo menos 27 parlamentares. A solicitação foi protocolada em 4 de fevereiro, mas como Rodrigo Pacheco resistia em instalar o colegiado, dois dos parlamentares que assinaram o pedido, Jorge Kajuru (GO) e Alessandro Vieira (SE), do Cidadania, recorreram ao STF. De acordo com a Constituição, a abertura do colegiado independe da vontade do presidente do Senado.
Defesa
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), entidade que representa magistrados de todo o Brasil, publicou um texto repudiando as declarações de Bolsonaro contra Barroso. Ao Correio, o presidente da entidade, Eduardo Brandão, disse que as críticas não podem sair do campo institucional. “Qualquer autoridade pode ficar insatisfeita com uma decisão. É normal, mas o que não podemos tolerar é agressões pessoais a juízes. Dizer que vai recorrer faz parte do jogo democrático… Só existe democracia com a Justiça fazendo seu papel”, enfatizou.
A tensão ocorre uma semana após a escalada de conflitos institucionais do governo com as Forças Armadas, que levaram à queda do então ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e dos comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica.
CPI da Covid
» Quórum necessário para a instalação
27 assinaturas
» Apoios obtidos
32 senadores assinaram
» Duração
90 dias
» Objetivo
Apurar ações e omissões do governo federal na pandemia
» Ações possíveis
» Quebras de sigilo telefônico, bancário, fiscal, de e-mail e dados
» Oitiva de testemunhas e qualquer autoridade
» Solicitação de perícias, exames, laudos e auditorias
» Solicitação de funcionários de qualquer poder, inclusive policiais para as diligências
» Pedido ao Ministério Público de indiciamento de investigados
As estratégias do Planalto
A relação entre Legislativo e Judiciário ficou abalada após a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou à presidência do Senado a instalação da CPI da Covid para apurar ações e omissões do governo na pandemia. Vários senadores fizeram ameaças de retaliação à Corte, incluindo o impeachment do ministro. Ao mesmo tempo, o governo corre contra o tempo em um esforço para evitar a abertura da investigação parlamentar. Uma das estratégias é tentar a retirada de assinaturas do requerimento de criação da CPI, o que inviabilizaria a instalação do colegiado.
O clima dominante no Senado é de confronto ao STF. O episódio, inclusive, reacendeu as antigas pressões pela instalação da chamada CPI da Lava Toga, destinada a apurar eventuais irregularidades na atuação dos magistrados da Corte.
Na quinta-feira, logo após o despacho de Barroso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), um aliado do Planalto, afirmou que ia cumprir a decisão judicial, mas frisou que ela “pode ser o coroamento do insucesso nacional no enfrentamento à pandemia”. Mesmo assim, ele se comprometeu a fazer a leitura do requerimento da CPI, em plenário, na próxima semana.
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), afirmando que a gravidade da crise sanitária exige que todas as atenções estejam voltadas para o seu combate. “Por isso, quero reafirmar o nosso apoio ao posicionamento do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que aponta para o juízo de conveniência e de oportunidade da CPI neste momento de excepcionalidade”, afirmou.
Bezerra anunciou que tentará a retirada de assinaturas do requerimento de criação do colegiado. Ele acreditar que muitos senadores podem ter repensado a posição, diante das repercussões da decisão judicial. Outra estratégia prevê que, em caso de instalação da CPI, o governo evite que a oposição tenha maioria na comissão, a ser composta por 11 titulares e sete suplentes. A formação do colegiado é baseada no tamanho das bancadas. Dessa forma, o MDB, partido de Fernando Bezerra e também do líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (TO), poderia ter o maior número de assentos.
Memória
Derrotas em série
A reação agressiva do presidente Jair Bolsonaro contra o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, remete aos embates ocorridos no ano passado, quando a Corte impôs diversas derrotas ao Planalto, revogando atos e até a tentativa de nomear o delegado Alexandre Ramagem, amigo da família presidencial, como diretor-geral da Polícia Federal. A nomeação foi anulada, na época, pelo ministro Alexandre de Moraes.
O Supremo já abriu uma investigação relacionada à atuação do governo na pandemia. Um inquérito apura se houve omissão do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, na crise que levou o sistema de saúde de Manaus ao colapso, no início do ano, quando pacientes morreram asfixiados por falta de estoque de oxigênio nos hospitais. O caso foi enviado para a Justiça Federal do Distrito Federal após Pazuello deixar o cargo e perder o foro privilegiado.
A decisão de Barroso, de ordenar a CPI da Covid, foi tomada no mesmo dia em que o Supremo frustrou novamente as pretensões do Planalto, ao permitir que governadores e prefeitos de todo o país proíbam a realização de missas e cultos presenciais na pandemia. Bolsonaro é crítico de medidas de restrições adotadas para conter a propagação da covid-19.
Além disso, o Supremo já havia imposto uma série de derrotas a Bolsonaro em ações relativas ao enfrentamento da pandemia. Foi assim, por exemplo, ao garantir a estados e municípios autonomia para decretar medidas de isolamento social, decidir a favor da vacinação obrigatória contra a covid-19 e mandar o governo detalhar o plano nacional de imunização contra a doença.
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