Na queda de braço com o Congresso sobre qual deve ser a decisão do presidente Jair Bolsonaro sobre o Orçamento de 2021, aprovado por deputados e senadores, a equipe econômica ganhou mais um motivo para aconselhar o mandatário a não sancionar o texto integralmente. É que houve uma mudança de rota no processo de investigação no Tribunal de Contas da União (TCU) sobre possíveis irregularidades na peça orçamentária, e para conduzir o inquérito a Corte escolheu o ministro Aroldo Cedraz em vez de Bruno Dantas, como era esperado. Segundo fontes, a investigação seria “mais suave” se ficasse com Dantas, porque recairia apenas sobre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e seus auxiliares. Com a alteração, o investigado das supostas irregularidades será o próprio chefe do Planalto.
Mesmo a contragosto do Legislativo, a tendência, portanto, é de vetos ao Orçamento. Guedes tem feito alertas diários sobre os riscos para Bolsonaro, caso o texto seja sancionado como está. Ontem, durante evento virtual promovido pela Câmara de Comércio Brasileiro-Americana, o ministro disse que “agora, é mais uma questão política de como podemos corrigir isso juntos”, ao defender mudanças na matéria.
De acordo com Guedes, “houve um acordo político no Orçamento, o problema é como foi entregue”. Ele evitou dizer que há um mal-estar entre a equipe econômica e parlamentares, apesar das críticas constantes feitas por deputados e senadores de que o Ministério da Economia está fazendo “terrorismo” ao afirmar que Bolsonaro pode responder a um processo de impeachment caso não vete o texto. “Não estamos brigando, somos parceiros. Somos poderes independentes, mas podemos colaborar no Orçamento, e há um problema de como corrigir o excesso de gastos que foi enviado em um primeiro momento”, frisou.
Economia e Congresso não entraram num acordo em relação ao montante de R$ 26,5 bilhões em emendas criadas pelo relator do Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa), o senador Marcio Bittar (MDB-AC). Para possibilitar o valor, o parlamentar cortou despesas obrigatórias, como aposentadorias. Esse é um dos principais problemas apontados pelos analistas no Orçamento deste ano, que não deixam de ser consideradas como “pedaladas” em sua essência.
Deputados e senadores garantem que Guedes e seus auxiliares participaram das discussões sobre a peça orçamentária e que sabiam da mudança proposta por Bittar, tanto que orientaram as lideranças do governo na Câmara e no Senado a votarem pela aprovação da matéria. Em sua defesa, o ministro alegou ser normal que “haja alguns erros e excessos” em um “time que está jogando junto pela primeira vez”, mas destacou que “os acordos políticos têm de caber no Orçamento”, porque “não podemos acordar politicamente mais do que podemos dar”.
Segundo Guedes, “é a primeira vez que este governo está construindo com o Congresso o Orçamento”. “Eu acho que é mais um problema de coordenação do que outra coisa”, opinou. Ele afirmou, porém, que o time está trabalhando para fazer os ajustes necessários. A expectativa do ministro é de que essas discussões “se encerrem bem”.
Bittar já anunciou um recuo — corte de R$ 10 bilhões dessas emendas — e ainda há a expectativa de um acordo para a exclusão adicional de R$ 15 bilhões. Mesmo assim, não será suficiente para evitar o estouro do teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesas pela inflação do ano anterior. Pelos cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, há um buraco de R$ 31,9 bilhões para que o teto de gastos não desabe sobre a cabeça do governo.
Reação
Parlamentares não devem aceitar de graça qualquer empecilho proposto por Bolsonaro à peça orçamentária e já se mobilizam para derrubar eventuais vetos. “Há um posicionamento muito firme da Câmara e do Senado de que não vamos aceitar que o presidente vete nada, tendo em vista que a equipe econômica dele participou ativamente”, reclamou o deputado Luís Miranda (DEM-DF). “Eles estiveram sempre na comissão (de Orçamento) e aprovaram tudo o que foi feito. Dizer, agora, que vai haver vetos, que erraram nos números e jogar a responsabilidade em cima do Congresso é uma injustiça muito grande. Não creio que vamos aceitar.”
Por outro lado, há quem defenda vetos ao Orçamento, como o líder do Novo na Câmara, o deputado Vinicius Poit (SP), um dos que assinaram a representação entregue ao TCU para investigação de irregularidades na peça orçamentária. “Estamos falando do dinheiro das pessoas. O Orçamento da União é o Orçamento dos cidadãos. Não dá para tratar esse assunto com descaso”, destacou.
Risco de paralisia do Executivo
O secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, apontou risco de paralisia de serviços públicos (shutdown) se não houver uma reformulação do Orçamento, que, conforme cálculos da equipe econômica, deixaria apenas R$ 49,5 bilhões ao funcionamento da máquina pública até o fim do ano. “Da forma como está, o Executivo não chega até o fim do ano. A máquina pública para. Não consegue pagar despesas básicas, como sistemas e luz, necessárias, inclusive, para executar as emendas parlamentares”, comentou. Segundo ele, com despesas discricionárias abaixo de R$ 50 bilhões, o governo teria menos do que o mínimo para funcionar, mesmo sendo muito eficiente. Citando a orientação técnica do Ministério da Economia, o secretário do Tesouro disse que o mais adequado seria um veto às emendas proporcional à recomposição de despesas obrigatórias, subestimadas na peça, que seria feita via projeto de lei. Se a recomposição for de R$ 29 bilhões, ou acima disso, o veto às emendas teria de ser total, sustentou Funchal, acrescentando que as contas ainda estão sendo feitas.
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