Bolsonaro contraria comitê

Na primeira reunião do grupo de Estado para o acompanhamento da covid-19, enquanto o ministro da Saúde e os comandantes do Congresso defendem medidas restritivas, presidente exige que se retorne logo à normalidade para evitar o aprofundamento da crise econômica

Na primeira reunião do comitê de Estado para fiscalizar as ações do governo federal no enfrentamento à pandemia da covid-19, Jair Bolsonaro adotou um discurso totalmente oposto ao que foi defendido pelos parlamentares e pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Ao contrário deles, o presidente voltou a atacar medidas restritivas como forma de contenção do novo coronavírus e pregou que o país retorne às atividades normalmente para trabalhar e salvar a economia.

Ao fim da reunião, Queiroga e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), cobraram mais conscientização da população para que as aglomerações sejam evitadas e que os cuidados com a higiene e a proteção pessoal não sejam esquecidos. Mas, menos de 20 minutos depois, Bolsonaro também falou a jornalistas e ignorou todas as recomendações do ministro e dos parlamentares.

“Não é ficando em casa que vamos solucionar esse problema. O apelo que a gente faz, aqui, é que essa política de lockdown seja revista. Isso cabe na ponta da linha aos governadores e aos prefeitos, porque só assim nós podemos voltar a normalidade”, disse.

Sem mais uma vez usar máscara, Bolsonaro também pediu o retorno da população ao trabalho e ressaltou que não poderá bancar o auxílio emergencial para sempre. Disse, ainda, “temer por problemas sociais gravíssimos no Brasil” caso ocorra o prolongamento de medidas restritivas. “A fome está batendo cada vez mais forte na casa dessas pessoas que lacrimejam seus olhos quando veem que não têm o mínimo para dar a seus filhos”.

E novamente comparou a restrição da circulação ao estado de sítio, coisas totalmente distintas. “Essa política de isolamento, de medidas restritivas, com toque de recolher com supressão do direito de ir e vir, extrapola em muito até mesmo um estado de sítio. Apelo a todas as autoridades do Brasil que revejam essa política e permitam que o povo vá trabalhar”.

Desalinhamento
A posição de Bolsonaro foi motivo de comentário de Pacheco sobre a falta de um discurso único de todos do comitê. Segundo o presidente do Senado, “é muito importante que haja um alinhamento no sentido de haver uma uniformização do discurso de que é necessário se vacinar, usar máscara, higienizar as mãos e o distanciamento social”.

Já Queiroga amenizou o que dissera Bolsonaro. Reforçou que a restrição de atividades não resolve o problema, mas frisou que as recomendações da ciência não devem ser deixadas de lado. “O trabalho faz parte do mínimo existencial de cada um de nós. Então, precisamos de medidas sanitárias efetivas. Precisamos deixar nossas divergências e ir com os pontos que a ciência já consagrou como eficazes para combater a covid-19”, afirmou, recomendando, ainda, que se evite aglomerações na Semana Santa. “Não há o que se comemorar. É importante usar máscara, ficar em casa e manter o isolamento”, acrescentou, no sentido contrário ao do presidente.

Já Lira contestou o ritmo da vacinação e cobrou do governo a apresentação de um levantamento de quantas doses foram aplicadas. “Por que o Brasil distribuiu 34 milhões de doses e só temos 18 milhões aplicadas? Não acho que seja possível que governadores e prefeitos não estejam vacinando. Estamos com um deficit de quase 14 milhões de vacinas. Nossa solicitação é para que o Ministério da Saúde forme um grupo mais rígido de controle desses dados”, exigiu o presidente da Câmara.


Ribeiro critica a autonomia do Inep

Em audiência na Câmara dos Deputados, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou, ontem, que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável por organizar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), estava “tendo uma independência” para além daquela que uma autarquia deve ter. Segundo ele, estava “querendo ser protagonista das políticas públicas de educação no Brasil”.

“Não é assim que acontece. Não comigo”, sentenciou.

Em fevereiro, Ribeiro demitiu o ex-presidente do Inep Alexandre Lopes, nomeando para substituí-lo Danilo Dupas Ribeiro, ex-secretário de Regulação e Supervisão do Ensino Superior do MEC. Mas, em março, houve outra mudança no instituto, quando o governo nomeou para a Diretoria de Avaliação da Educação Básica, diretamente responsável pelo Enem, o coronel-aviador Alexandre Gomes da Silva.

O ministro afirmou que, assim que assumiu o MEC, não fez mudanças nas presidências de órgãos vinculados justificando que, antes, procurou compreender o papel de cada um na formulação e no apoio das políticas do MEC. “O que não abro mão é de ser o formulador de políticas públicas, que, no fundo, sou eu, que depois respondo por elas. (As políticas) Têm que nascer aqui, no MEC. As instituições vinculadas, embora autarquias, que tenham independência, são assessoras das políticas que nascem no gabinete. Isso não quer dizer que uma política não pode ser gestada na mente de algum líder de uma das vinculadas, e vir ao ministro e à sua equipe”, disse.

O ministro, ao salientar que percebe o Inep com independência além da necessária, disse que quer participar da gestão, dos assuntos sobre o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb). “Se existe alguém mais interessado em ter bons resultados dos alunos em todos esses testes sou eu. Eu quero participar, quero opinar, e é isso que eu fiz. Eu trouxe um pouco para perto para que pudéssemos avaliar”, afirmou.

Ribeiro também se disse favorável ao veto ao Projeto de Lei 3.477/20, que destinava recursos para assegurar a internet grátis a alunos e professores da educação básica durante a pandemia. Ele defendeu a posião do presidente Jair Bolsonaro ao afirmar que o PL não tinha clareza, nem um diagnóstico preciso de onde os recursos seriam aplicados. “O veto teve meu apoio. Não há clareza suficiente nem diagnóstico adequado a respeito dos gastos efetivos. Em outras palavras, despejar dinheiro na conta não é política pública”, explicou.

Ele lembrou que o PL não contempla alunos que estão fora de centros urbanos, por exemplo. “São 54 mil escolas rurais no Brasil. Quer dizer, então, que essa política é para área urbana? Os mais de 100 mil alunos da área rural estariam totalmente alienados dela?”, indagou.

*Estagiário sob a supervisão de Ana Sá