A morte do policial Wesley Soares, no último domingo — que, armado com um fuzil, atirou contra colegas e fez disparos para o alto em Salvador —, levou congressistas que apoiam o governo federal a compartilharem mensagens nas redes sociais incitando as corporações militares nos estados a se amotinarem. Deputados bolsonaristas publicaram mensagens afirmando que o PM se insurgiu contra restrições que os governadores vêm aplicando em vários estados, como a Bahia, para impedir a propagação da pandemia de covid-19.
A presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), Bia Kicis (PSL-DF), publicou no Twitter o seguinte: “Soldado da PM da Bahia abatido por seus companheiros. Morreu porque se recusou a prender trabalhadores. Disse não às ordens ilegais do governador Rui Costa, da Bahia. Esse soldado é um heroi. Agora a PM da Bahia arou (sic). Chega de cumprir ordem ilegal”. Kicis, porém, apagou o tuíte logo depois e se justificou. “Nesta madrugada, fui informada de que o PM morto, em surto, havia atirado para o alto e foi baleado por colegas. As redes se comoveram e eu também. Hoje cedo removi o post para aguardarmos as investigações. Inclusive, diante do reconhecimento da fundamental hierarquia militar”.
Já Carla Zambelli (PSL-SP) publicou: “Sinto muito a morte do PMBA. É muito difícil aguentar tanta pressão”, diz o tuíte, com uma foto de Wesley Soares e reproduzindo algo que ele teria dito antes de ser baleado: “Eu não vou deixar, não vou permitir que violem a dignidade humana de um trabalhador”. O “card” tem ainda uma frase de Martin Luther King (“Sempre é hora de fazer o que é certo”) e um “força soldado Wesley”. A deputada não retirou o texto da sua conta.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho 03 do presidente, afirmou que o ato do PM foi um protesto contra o “sistema” e disse que “estão brincando com a democracia”. Em um surto psicótico, Wesley foi atingido por disparos depois de mais de três horas de negociação e por atirar contra a tropa que tentava fazê-lo baixar as armas.
A oposição reagiu. A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) lembrou que o PM fez diversos disparos em via pública. “Bolsonaristas e parlamentares incitam motim na Bahia contra isolamento e lockdown após o PM em surto que atirava pesadamente em ponto turístico ser imobilizado pelos colegas de farda. Vídeo comprova ele atirando muito. Ameaça à Segurança Nacional tem que ser denunciada”, disse.
Marcelo Freixo (PSol-RJ) acusou Bia Kicis de incitar a violência. “Agora estimula um motim da PM na Bahia. Mais uma vez utiliza o cargo para pregar a violência contra o Estado de Direito e a Democracia. É um crime contra a Constituição”, publicou nas redes sociais.
Carreata
Apesar do estímulo ao motim, a única manifestação de ontem em favor de Wesley foi um ato no Farol da Barra, onde o PM foi morto, que durou até o final da manhã. Dali, o grupo foi em carreata até a sede da Governadoria, no Centro Administrativo da Bahia (CAB), para novo protesto no estacionamento. O grupo prometeu fazer outra manifestação amanhã.
Um texto da Associação Nacional das Entidades Representativas de Policiais Militares e Bombeiros Militares e Pensionistas do Brasil afirmou que vem alertando sobre estresse e esgotamento físico e psicológico dos policiais, que se intensificaram durante a pandemia de covid-19. “Mais uma vez, alertamos o Conselho de Comandantes Gerais, Ministério da Justiça, Congresso Nacional, Comissão Nacional dos direitos Humanos e Presidente da República, que as tropas militares estaduais estão cansadas, sobrecarregadas, psicologicamente abaladas com a carga estressante de atividades operacionais à exaustão, ocasionando distúrbios, insônia, ansiedade e angústia”, destaca um trecho do texto.
A Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) lamentou em nota a morte do policial e criticou o que chamou de “uso político do desespero de um cidadão”. Para a entidade, o caso de Wesley não pode ser tratado como “incitação a rebelião ou motim”, e diz que a única certeza é de que os servidores das forças de segurança estão “exaustos”. Em nota, a PM da Bahia lamentou a morte do soldado. (Colaboraram Ingrid Soares e Fabio Grecchi)