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Congresso enquadra Planalto e impõe freios a Bolsonaro

Com o recrudescimento da pandemia, Parlamento teme ser visto como cúmplice das ações equivocadas do Executivo na condução da crise sanitária. Até o Centrão, base de apoio do governo, dá sinais de que a tolerância não é ilimitada

O presidente Jair Bolsonaro bem que tentou amenizar um discurso proferido na semana passada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em que o deputado acendeu um “sinal amarelo” para o Executivo por conta das medidas adotadas contra a pandemia e alertou que o Parlamento não vai mais tolerar “erros desnecessários e inúteis” que comprometem a situação do país. Mas é cada vez maior a insatisfação do Legislativo com a gestão do mandatário, inclusive de partidos do Centrão. O grupo, base de apoio do governo, já dá sinais de que a sobrevivência política tão prometida ao chefe do Planalto pode estar com os dias contados.

A mudança no comportamento em relação a Bolsonaro surge porque, de acordo com parlamentares, o Congresso não pode assistir impassível ao pior momento do Brasil na crise sanitária. A avaliação de congressistas é de que o Legislativo precisa trabalhar para não ser tratado pela população como cúmplice das ações equivocadas do governo. Dessa forma, há uma disposição, entre deputados e senadores, de intensificar o confronto com o presidente pois, como ponderou Lira, “tudo tem limite”.

“A Câmara não tem o direito de ficar assistindo ao país ir para o buraco apenas para atender aos delírios de um presidente negacionista. Temos de puxar para este Parlamento a responsabilidade quando não temos governo”, enfatiza o deputado Nilto Tatto (PT-SP).

A troca de Eduardo Pazuello por Marcelo Queiroga no Ministério da Saúde foi um dos reflexos da insatisfação do Congresso com o Executivo. O general perdeu prestígio dentro no Parlamento devido à má condução da pandemia.

Porém há outros com a cabeça a prêmio. O chanceler Ernesto Araújo sofre pressões para sair do Ministério das Relações Exteriores, também por erros de atuação na crise sanitária. Na semana passada, ele participou de sessão no Senado, e as críticas ao seu trabalho foram praticamente unânimes, inclusive do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Nenhum líder do governo intercedeu para defendê-lo.

Apesar de Bolsonaro ter agido para tentar atenuar a tensão, com a criação do Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento da Pandemia da Covid-19, parlamentares seguem defendendo uma investigação contra o Planalto por meio de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI). Além disso, voltou à tona o pleito para que seja aberto um processo de impeachment contra o presidente.

“Nós precisamos parar este governo. O que falta ao Parlamento para fazer isso? Falta a compreensão de que nós, de fato, representamos o povo. Precisamos tomar medidas, investigar os crimes de Bolsonaro e fazer o impeachment deste presidente”, frisa a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), vice-líder da oposição.

Por outro lado, alguns parlamentares querem evitar virar as costas a Bolsonaro e pedem aos demais colegas que tenham paciência. O pronunciamento do presidente na semana passada, em que defendeu a importância da vacinação e garantiu que todos os brasileiros estarão imunizados até o fim de 2021, além da instalação do comitê, são pontos destacados pelos políticos, que falam em dar um voto de confiança ao mandatário.

“Eu senti que há uma esperança no discurso do presidente Bolsonaro. Antes tarde do que mais tarde, porque nós precisamos salvar vidas. Vamos olhar para a frente, vamos virar a página, vamos ter compreensão. Demorou? Demorou. Mas vamos seguir”, analisa o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS).

O deputado Coronel Tadeu (PSL-SP) faz coro: “O governo já firmou acordos para a compra de 562 milhões de doses de vacinas. A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) vai produzir 6 milhões de doses por semana. Tenho certeza de que vamos vencer este período difícil para todos nós, e o Brasil vai poder se orgulhar do presidente que elegeu em 2018”.

Prazo de validade

Na avaliação do cientista político Márcio Coimbra, o presidente da República não gosta de ser contrariado e dificilmente mudará isso. Prova dessa constatação é aceitar a troca de um ministro, como foi no caso da Saúde, mas impedir que aliados políticos indiquem o substituto. “O Centrão aluga estabilidade política, mas cobra um preço. Se Bolsonaro não entender a dinâmica desse jogo, sofrerá as consequências”, afirma.

A adoção de uma nova postura, segundo Coimbra, só ocorrerá caso Bolsonaro sinta que seu posto está ameaçado pelo isolamento político — o que não parece ser o caso ainda, pois o Centrão deseja extrair o máximo que puder do governo, indicando cargos e ganhando influência para garantir a reeleição dos parlamentares no ano que vem.

Eduardo Grin, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia a situação da mesma maneira. “Eles (Centrão) estão se aproveitando da instabilidade. Isso ainda é vantajoso, mas tem prazo de validade. Se notarem que não conseguem se reeleger em 2022, vão cair fora.”

Mas o foco no pleito de 2022 não é preocupação apenas do Parlamento. O próprio Bolsonaro, na visão dos especialistas, passou a se comportar de forma diferente — usando máscara, defendendo vacinação —, impactado pelo chamado “efeito Lula”. Com a criação do comitê contra a covid, o presidente estaria, também, tentando dividir o ônus da crise sanitária.