Governo Bolsonaro

Centrão diz basta para Ernesto Araújo e Senado pede a cabeça de Filipe Martins

Enquanto área internacional do governo está sob forte ataque, ministro das Relações Exteriores irrita base aliada de Bolsonaro ao demonstrar incapacidade no cargo em meio à pandemia. Assessor para assuntos internacionais do presidente, por sua vez, é criticado por, supostamente, usar um símbolo de supremacistas brancos em sessão do Congresso

A área internacional do governo, conduzida pelo diplomata e ministro Ernesto Araújo, da ala ideológica dos apoiadores de Jair Bolsonaro, está sob forte artilharia do Centrão. A incapacidade de Ernesto de fazer o Ministério das Relações Exteriores funcionar, principalmente, na relação com outros países para aquisição de vacinas para o combate ao novo coronavírus, o coloca na mira da base do governo no Congresso.

Para completar, o assessor internacional de Bolsonaro, Filipe Martins, está sendo criticado por supostamente ter feito um símbolo associado a supremacistas brancos atrás do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), durante discurso em sessão oficial, deixando irritado um grupo considerável de parlamentares da Casa da Federação. Tanto a demonstração de insatisfação generalizada de políticos com Ernesto quanto o gesto de Felipe ocorreram nessa quarta (24/3).

Ernesto já estava sob ataque há meses, e era motivo de insatisfação política mas, também, do agronegócio. O ministro chegou até a participar ativamente de conflito envolvendo os filhos do presidente da República e o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming. Trata-se do representante, no país, do maior parceiro internacional do Brasil e nação estratégica para ruralistas, e um dos maiores produtores de imunizantes contra a covid-19 no mundo.

Ainda na quarta, Ernesto levou um pito do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), durante uma reunião com o presidente da República, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, Pacheco, e governadores. Lira disse que o Itamaraty precisa funcionar. Na sequência, no Congresso, Ernesto foi novamente criticado e pressionado a deixar o cargo, sem que governistas fizessem sua defesa contundente. Somente o aliado individual do ministro Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) fez uma fala de apoio a Araújo.

Também ontem, Lira fez um duro discurso ao Executivo. Afirmou que acendeu “a luz amarela” do governo, e avisou que remédios políticos do parlamento "são todos amargos, e alguns, fatais”, e que não há mais espaço para errar. O líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), é outro a mandar sinais claros de impaciência política com a incompetência de Ernesto. Questionado pelo Correio, no último domingo (21), sobre quais as expectativas a respeito das pressões políticas sobre o governo esta semana, Barros disse que o Executivo precisava se movimentar. Nesta quinta (25), disse que o governo precisa repensar as diretrizes no combate à pandemia.

Há uma percepção geral de que para aumentar a vacinação, o Brasil precisará da ajuda dos Estados Unidos, da China e da Índia, o que passa, necessariamente, pela efetividade do Itamaraty. Mas, para parlamentares, há dúvida se Ernesto conseguiria garantir resultados positivos. A solução seria atender a um pedido já feito por empresários do agro: tirar o representante da ala ideológica e colocar um ministro pragmático no lugar, que não trabalhe contra a política externa brasileira. Barros falou ao G1.

Símbolo racista no Senado

Filipe Martins, por sua vez, foi flagrado fazendo um símbolo em pinça com os dedos justamente durante a sessão em que parlamentares ouviam Ernesto Araújo. O gesto é atribuído a grupos racistas supremacistas brancos, e significaria white power (poder branco, em tradução livre). O gesto foi feito quando o senador Rodrigo Pacheco discursava sobre como o Senado tem se empenhado para auxiliar o país no enfrentamento da crise sanitária. Filipe juntou os dedos indicador e polegar da mão direita e os deixou visíveis à câmera que enquadrava o presidente da Casa.

O assessor estava sentado atrás do senador. Apesar da seriedade da sessão de quarta-feira, o assessor presidencial ficou por um bom tempo utilizando o celular. Em uma das poucas vezes que deixou o aparelho de lado, protagonizou o momento grosseiro. A atitude revoltou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado. Ele pediu a suspensão da sessão — o que foi posteriormente negado por Pacheco —, e que a Polícia Legislativa retirasse o assessor de Bolsonaro das dependências do Senado e o autuasse — apesar disso, Martins continuou presenciando a sessão.

O gesto feito por Filipe é associado a símbolos de ódio utilizado por grupos de extrema direita para cultuar a supremacia branca. A posição dos dedos médio, anelar e mindinho se assemelha a uma letra W (inicial de white, branco em inglês), e a posição dos dedos indicador e polegar forma um P (inicial de power, poder em inglês). Nas redes, Filipe se defendeu, e ameaçou processar quem afirmasse que ele estaria fazendo um gesto racista. Argumentou que estava, na verdade, arrumando a lapela do paletó.

“Um aviso aos palhaços que desejam emplacar a tese de que eu, um judeu, sou simpático ao ‘supremacismo branco’ porque em suas mentes doentias enxergaram um gesto autoritário numa imagem que me mostra ajeitando a lapela do meu terno: serão processados e responsabilizados; um a um”. A ameaça, porém, não funcionou, e diversos internautas começaram a mostrar outras postagens do assessor de Jair Bolsonaro que podem ser relacionadas com supremacistas brancos.

Memória

Se restar comprovado que Filipe Martins se aproveitou de uma sessão filmada do Congresso para fazer com as mãos um símbolo de supremacistas brancos, esta não será a primeira vez em que um membro do governo Bolsonaro usa o cargo para difundir ideologias fascistas. Em 17 de janeiro de 2020, o então secretário de Cultura Roberto Alvin acabou demitido depois de gravar um vídeo oficial parafraseando o ministro da Propaganda na Alemanha Nazista Joseph Goebbels, para anunciar o Prêmio Nacional das Artes.

Assim como Filipe, Alvin argumentou que teria sido uma coincidência. No caso, uma “coincidência retórica”. Ele afirmou, na filmagem, também ela estruturada para fazer referência ao regime nazifascista, que "a arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional, será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional, e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo; ou então não será nada”. Em 8 de maio de 1933, Goebbels afirmou que “a arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada”.

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