Por 3 votos a 2, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou que o ex-juiz Sergio Moro foi parcial no julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado à prisão no caso do triplex do Guarujá (SP). Os ministros entenderam que o então magistrado ultrapassou sua competência legal, impedindo que o petista fosse submetido a uma análise justa. A decisão foi tomada após a ministra Cármen Lúcia mudar o voto — ela havia rejeitado, em 2018, a tese de suspeição do então titular da 13ª Vara Federal de Curitiba. O ministro Kassio Nunes Marques, que havia pedido vista do processo, votou, ontem, para manter a validade dos atos de Moro, mas foi vencido.
As decisões de Moro já estavam suspensas por determinação do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo. Os processos tinham retornado à fase da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal. No entanto, com o entendimento da Segunda Turma, todos os atos processuais conduzidos pelo então juiz contra o petista voltam à estaca zero, e as investigações precisam ser retomadas da fase inicial, o que pode gerar prescrição das ações penais.
Os ministros avaliaram habeas corpus apresentado pela defesa de Lula, com base em atos processuais, que foram reforçados por mensagens obtidas pelo hacker Walter Delgatti Neto, e apreendidas pela Polícia Federal na Operação Spoofing.
Em um dos trechos das mensagens, Moro sugere para o procurador Deltan Dallagnol, então coordenador da força-tarefa de Curitiba, uma testemunha de acusação contra Lula. Em outras, comemoram quando a Justiça indefere pedidos de entrevista de jornalistas com Lula, quando ele disputava a eleição para presidente da República em 2018. Os diálogos foram publicados pelo site The Intercept, na série de reportagens conhecida como Vaza-Jato.
Na mudança do voto, ontem, Cármen Lúcia entendeu terem sido incluídos elementos novos que revelam perseguição contra Lula pelo poder público. “Neste caso, o que se discute, basicamente, é algo que, para mim, é basilar: todo mundo tem o direito a um julgamento justo e ao devido processo legal e à imparcialidade do julgador”, sustentou.
De acordo com a ministra, o processo reduziu os direitos de defesa do então investigado. Ela citou a condução coercitiva contra Lula, sem que ele fosse ouvido com antecedência, e a quebra de sigilo do escritório de advocacia que fazia a defesa dele durante o curso do processo. A magistrada enfatizou que a decisão não se estende a outros réus da operação.
Já Nunes Marques afirmou que, por serem fruto de invasão de celulares, as mensagens da Spoofing não podem ser usadas em processo judicial. “São arquivos obtidos por hackers, mediante a violação dos sigilos ilícitos de dezenas de pessoas. Tenho que são absolutamente inaceitáveis tais provas. Entender-se de forma diversas, que resultados de tais crimes seriam utilizáveis, seria uma forma transversa de legalizar a atividade hacker no Brasil”, emendou.
O presidente da Turma, ministro Gilmar Mendes, rebateu Nunes Marques. Chegou a dizer que, em muitos casos, a negativa de habeas corpus se deve à covardia. “Não se trata de ficar brincando de não conhecer de habeas corpus. É muito fácil não conhecer de um habeas corpus. Atrás, muitas vezes, da técnica de não conhecimento de habeas corpus, se esconde um covarde. E Rui (Barbosa) falava: o bom ladrão salvou-se, mas não há salvação para o juiz covarde”, disparou. Além de Mendes e Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski votou a favor da suspeição de Moro. Edson Fachin e Nunes Marques foram contra. O ex-juiz não se pronunciou.
Direito
Em nota, a defesa do petista frisou que “Moro jamais atuou como juiz, mas, sim, como um adversário pessoal e político do ex-presidente Lula, tal como foi reconhecido majoritariamente pelos eminentes ministros da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal”. “A decisão proferida hoje (ontem) fortalece o Sistema de Justiça e a importância do devido processo legal. Esperamos que o julgamento realizado hoje (ontem) pela Suprema Corte sirva de guia para que todo e qualquer cidadão tenha direito a um julgamento justo, imparcial e independente, tal como é assegurado pela Constituição da República e pelos tratados internacionais que o Brasil subscreveu e se obrigou a cumprir”, destacou o comunicado, assinado pelos advogados Cristiano Zanin e Valeska Martins.
A decisão provocou repercussão no meio político. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) comemorou. “O Supremo Tribunal Federal decidiu fazer uma revisão histórica sobre a Lava-Jato. A operação jamais poderá ser contestada em sua coragem de enfrentar os poderosos, os grandes interesses, a corrupção sistêmica, mas o Estado policial, para o qual a Lava-Jato descambou em certos momentos, lamentavelmente, com suas parcialidades, seletividade e perseguições, jamais poderá também merecer o perdão da História”, escreveu.
Já o deputado Marcel Van Hattem (Novo) criticou os ministros. “O que mais se temia aconteceu: Moro declarado suspeito e parcial no caso Lula (...). Placar de 3 a 2 a favor da impunidade no país. Quem se demonstra parcial, na verdade, é a maioria da 2ªTurma do STF”, apontou, nas redes sociais.
Outro revés para a Lava-Jato
A ministra Rosa Weber, do STF, negou liminar para trancar o inquérito aberto no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para investigar procuradores que integravam a força-tarefa da Lava-Jato. Em análise preliminar, a magistrada considerou que o pedido da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) não preenchia os requisitos necessários para uma decisão de urgência. A apuração foi aberta por determinação do presidente do STJ, ministro Humberto Martins, para apurar se a força-tarefa de Curitiba tentou intimidar e investigar ilegalmente ministros do tribunal.