Nas entrelinhas

por Luiz Carlos Azedo luizazedo.df@dabr.com.br

Sem o Doria, seria pior

Com o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, ainda do telhado, por causa de um processo no qual é réu por apropriação indébita, e seu antecessor, o general Eduardo Pazuello, despachando do almoxarifado do ministério, está nas mãos do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), o destino da ação do presidente Jair Bolsonaro contra os governadores do Distrito Federal, da Bahia e do Rio Grande do Sul por decretarem medidas de isolamento social. O magistrado do STF foi escolhido relator porque é responsável pela ação apresentada pelo PTB no ano passado, também contra os decretos de toque de recolher.

Com 12 milhões de infectados, o Brasil está se aproximando dos 300 mil mortos pela pandemia, e a principal preocupação de Bolsonaro, na reestruturação do ministério, é encontrar um lugar para o general Pazuello, que cumpriu sua missão negacionista com zelo — perdão pelo trocadilho. Fala-se em criar um Ministério da Amazônia, o que deixaria sem função o vice-presidente Hamilton Mourão. Por mais que o presidente da República negue, suas ações são a principal causa do descontrole da pandemia. Está tudo registrado ao vivo e em cores, ao longo de um ano de ações contra as medidas adotadas por governadores e prefeitos, por recomendação de infectologistas e sanitaristas.

A grande ironia é o fato de que o Instituto Butantan já entregou 25 milhões de doses da vacina chinesa Coronavac ao Ministério da Saúde, sendo 8 milhões nos últimos 10 dias. Até agosto, serão 100 milhões de doses. A Fiocruz, em razão do atraso na entrega de insumos, somente conseguiu produzir até agora 1,8 milhão de doses. A primeira remessa de vacinas contra covid-19 oriundas do consórcio Covax Facility, produzidas na Coreia do Sul, só chegou no domingo: 1 milhão de doses. Mais 9,1 milhões de doses da AstraZeneca/Oxford produzidas na Índia ainda são aguardadas. De cada 30 vacinas aplicadas no Brasil, 25 são fabricadas pelo Butantan.

Sem isso, tudo seria muito pior. Num país normal, o fato deveria ser objeto de agradecimento do presidente Jair Bolsonaro ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que fez o que pode para se preparar para a pandemia; e aos paulistas, que estão deixando de receber as vacinas na quantidade e velocidade que necessitam para controlar a covid-19. Bolsonaro demitiu seu então ministro da Saúde, Henrique Mandetta, por causa da colaboração com Doria no começo da pandemia.

O colapso

Há um colapso do Sistema Único de Saúde (SUS) em vários estados, com corpos ensacados no chão dos corredores dos hospitais, como aqui em Brasília, ontem. Mesmo assim, os partidários do presidente da República sabotam as medidas de isolamento social. Por exemplo, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC), aliado do chefe do Planalto, desautorizou as medidas de isolamento social adotadas pelos prefeitos do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSDB), e de Niterói, Axel Grael (PDT). Os dois decretaram um feriadão para tentar reduzir a circulação de pessoas, proibindo a abertura de bares e restaurantes. As duas cidades sofrem o maior impacto da pandemia no estado, principalmente dos municípios da região metropolitana, que seguiram a orientação do governador.

A aposta de Bolsonaro sempre foi responsabilizar o Supremo Tribunal Federal (STF), governadores e prefeitos pela crise econômica, com um discurso voltado para quem está perdendo suas fontes de renda ou tendo prejuízos nas atividades empresariais. Acontece que Bolsonaro subestimou a escala que uma pandemia fora de controle pode adquirir, ao crescer exponencialmente, e as consequências das mutações genéticas que podem ocorrer, como aconteceu em Manaus, agravando a situação: faltam leitos, medicamentos e oxigênio em vários hospitais do país. E o governo federal está sendo responsabilizado por isso.

 

“Bolsonaro subestimou a escala que uma pandemia fora de controle pode adquirir, ao crescer exponencialmente, e os efeitos das mutações genéticas que podem ocorrer com a covid-19”