A escalada de mortes e infecções pelo novo coronavírus no Brasil forçou o Ministério da Saúde a modificar a orientação para a aplicação das vacinas contra a covid-19 por parte de estados e municípios. A ideia é que mais pessoas possam ser imunizadas. Agora, a pasta orienta que os entes federativos utilizem imediatamente todas as doses já distribuídas pelo governo federal, inclusive as que vem sendo armazenadas para atender à segunda etapa do esquema vacinal contra a enfermidade.
No sábado, ao anunciar que entregaria aos governos estaduais mais 5 milhões de doses da CoronaVac, produzida pela farmacêutica Sinovac com o Instituto Butantan, e da Covishield, desenvolvida pela farmacêutica AstraZeneca e a Universidade de Oxford em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o ministério pediu que todo esse lote fosse aplicado como primeira dose e que as secretarias de Saúde não fizessem reserva de segunda dose. Ontem, foi a vez de a pasta recomendar que vacinas distribuídas em fases anteriores e que, porventura, estejam destinadas para a segunda dose, sejam logo aplicadas.
"Com a liberação para aplicação de imediato de todo o estoque de vacinas guardadas nas secretarias municipais, vamos conseguir dobrar a aplicação esta semana, imunizando uma grande quantidade da população brasileira, salvando e protegendo mais vidas", afirmou o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em nota.
De acordo com a pasta, a estratégia não vai comprometer a imunização completa dos pacientes que receberem a primeira dose das vacinas. No caso da CoronaVac, o intervalo recomendado de aplicação entre as duas doses é de 14 a 28 dias. Já para a Covishield/Astrazeneca, o espaço de tempo da primeira para a segunda dose é de três meses. O ministério acredita que haverá segunda dose para todos porque tanto o Butantan quanto a Fiocruz sinalizaram que devem acelerar a produção dos imunizantes em solo nacional por conta da importação do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), matéria-prima usada na fabricação das doses.
"A medida vinha sendo estudada há cerca de duas semanas, e foi atendida após garantia da segurança das entregas por parte dos fornecedores, garantido assim a estabilização das distribuições aos estados por parte do Ministério", informou a Saúde, também em nota.
A Fiocruz deve receber da AstraZeneca, ainda neste mês, quatro lotes de IFA. A carga total da matéria-prima será de 1.024 litros, quantidade de insumo suficiente para a fabricação de cerca de 30 milhões de doses. Com isso, segundo o instituto, a produção de imunizantes estará garantida até o fim de maio. No início de março, por sua vez, o Butantan recebeu 8,2 mil litros de IFA da Sinovac. À época, o instituto informou que o insumo seria utilizado na produção de 14 milhões de doses.
Só em março, de acordo com o cronograma apresentado pelas duas instituições, serão entregues ao Ministério da Saúde pelo menos 27,1 milhões de doses, sendo 3,8 milhões da Covishield e 23,3 milhões da CoronaVac — a estimativa está sujeita a alterações de acordo com o ritmo de produção das vacinas. E até o fim de 2021, Fiocruz e Butantan devem oferecer ao Programa Nacional de Imunização (PNI), no mínimo, 310,4 milhões de doses.
Prós e contras
O aumento na quantidade de brasileiros vacinados, com o uso de mais vacinas na primeira dose, é uma estratégia bem avaliada por alguns especialistas. Infectologista do Hospital de Águas Claras, Ana Helena Germóglio destaca que "a ampliação da vacina é uma forma de reduzir o aparecimento de novas variantes e evita que as pessoas fiquem doentes, desafogando o sistema de saúde, que não terá de lidar com pacientes com uma forma grave da covid-19".
De todo modo, ela alerta que o governo deve intensificar os acordos para importar vacinas e acelerar os processos para garantir uma maior produção dos imunizantes em solo nacional. "Isso não só para garantir as vacinas que serão aplicadas como segunda dose, mas para vacinar a maior parte possível da população no menor tempo plausível. Quanto mais pessoas a gente tiver vacinadas, independentemente da idade, teremos menos vírus circulando. A vacinação é um ato coletivo."
Integrante da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), o médico infectologista Julival Ribeiro é mais cético com a nova diretriz do Ministério da Saúde. Ele frisa que o Executivo federal tem demonstrado dificuldades para concretizar a compra de vacinas e que, por isso, é difícil acreditar que haverá imunizantes suficientes para atender o esquema vacinal com as duas doses.
"Apesar da gravidade do momento, não concordo com essa atitude. Meu medo é que as pessoas recebam a primeira dose e, quando chegar a data de aplicação da segunda dose, não haja vacina disponível para completar o cronograma. A quantidade de doses que temos atualmente diminui a cada dia. Diante da falta de planejamento do governo, quem garante que teremos segunda dose?", pondera.