PANDEMIA

Governadores reagem à ofensiva de Bolsonaro contra medidas restritivas

Gestores estaduais condenam a investida do presidente no STF para suspender decretos que criaram toques de recolher na Bahia, no Rio Grande do Sul e no DF. Eles lembram a autonomia concedida pela Corte e ressaltam que, em vez de confrontos, país precisa de união

Governadores reagiram à ofensiva do presidente Jair Bolsonaro contra as medidas restritivas adotadas por estados e municípios para tentar conter a disseminação do novo coronavírus. A principal investida do chefe do Planalto foi o pedido, protocolado na quinta-feira, no Supremo Tribunal Federal (STF), de suspensão de decretos que criaram toques de recolher na Bahia, no Rio Grande do Sul e no Distrito Federal — se a solicitação for aceita pela Corte, valerá para todas as unidades da Federação. Além de ir à Justiça, Bolsonaro fez uma série de críticas aos gestores estaduais e municipais. Com essa ação no STF, o presidente quer que a Corte ratifique o poder de governadores e prefeitos de adotarem medidas contra a covid, uma forma de isentá-lo de suas responsabilidades.

O governador da Bahia, Rui Costa, afirmou que “o governo federal precisa fazer sua parte para enfrentar o vírus”. O gestor publicou nas redes sociais a nota do Consórcio Nordeste de repúdio à ação judicial de Bolsonaro, assinada por chefes dos Executivos da região. O texto diz que “as medidas visam evitar colapso do sistema hospitalar e foram editadas com amparo no artigo 23 da Constituição Federal, conforme jurisprudência do STF”. “Mais uma vez, convidamos o presidente da República a somar forças na luta contra o coronavírus, que tem trazido tantas mortes e sofrimentos. E reiteramos que só existe uma forma de proteger a economia e os empregos: enfrentar e vencer a pandemia”, ressalta a nota. “Manifestamos nossa solidariedade aos governadores atingidos pela inusitada ação judicial.”

No Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que está à frente do Executivo estadual, criticou o chefe do Planalto. “A lei federal que trata sobre a covid dá competência aos estados para estabelecerem o que é essencial e deve ser permitido em função dos tempos excepcionais que estamos vivendo”, lembrou. “Ademais, o presidente Bolsonaro, mais uma vez, chega atrasado. Não é de surpreender, já atrasou o país, tudo que pode, na compra de vacinas. Chega atrasado também na ação, uma vez que nosso decreto vale até o dia 21. Infelizmente, ele coloca energia no confronto, enquanto poderia estar colocando essa energia na compra de vacina”, declarou.

Já o governador do DF, Ibaneis Rocha, não se manifestou diretamente, mas o secretário da Casa Civil, Gustavo Rocha, falou em nome do governo. “O posicionamento do presidente da República é conhecido por todos. A ação judicial será analisada e defendida no tribunal próprio, que, no caso, é o STF. Mas o governador, hoje (ontem) mais cedo, falou — todos sabem que ele é advogado e entende muito de direito constitucional — e, na visão do DF, não há dúvida quanto à constitucionalidade das medidas. O Supremo já decidiu que há competência dos estados e municípios e da União”, enfatizou Rocha.

(Colaborou Samara Schwingel)

MP pede que presidente deixe a gestão da covid

O subprocurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Furtado, pediu, ontem, que a Corte afaste o presidente Jair Bolsonaro da gestão da pandemia da covid-19. No documento, Furtado solicita que o TCU reconheça a autoridade do vice-presidente Hamilton Mourão para comandar administrativamente os ministérios da Saúde e da Economia e a Casa Civil. O processo deve ser enviado a um relator, que pode decidir monocraticamente ou enviar o tema para deliberação do plenário. Lucas argumentou que a má gestão da pandemia vai gerar prejuízos aos cofres públicos.

Fux questiona "estado de sítio"

O presidente Jair Bolsonaro voltou a comparar toque de recolher com estado de sítio, chamou de ações ditatoriais as normas adotadas para impedir a circulação de pessoas e mencionou medidas mais “duras” que ele poderia tomar em contrapartida, sem citar quais.

Para Bolsonaro, as ações que restringem a circulação de pessoas só podem ocorrer se decretados por ele, com aval do Congresso. “Não pode governadores e prefeitos usurparem da Constituição, via decreto, retirar o direito de ir e vir das pessoas. Isso é para estado de sítio, estado de defesa. E não é só eu, é o Congresso também sendo ouvido. Caso contrário, nós vamos sucumbir. Vamos ter de reagir”, emendou, a apoiadores, no Palácio da Alvorada.

O chefe do Planalto também fez uma ameaça velada. “Será que a população está preparada para uma ação social do governo federal dura no tocante a isso? O que é dura? É para dar liberdade para o povo. É para dar o direito do povo trabalhar. Não é ditadura, não.”

Horas depois, o presidente do STF, Luiz Fux, ligou para Bolsonaro questionando sobre a declaração de estado de sítio. De acordo com fontes, o comandante do Planalto negou qualquer ação autoritária e disse que vai aguardar a decisão da Corte sobre o pedido que fez, na quinta-feira, de suspensão de decretos de toque de recolher .

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), também se manifestou sobre as declarações do mandatário. “Não há mínima razão fática, política e jurídica, para sequer se cogitar o estado de sítio no Brasil. Volto a dizer que o momento deve ser de união dos Poderes e de ações efetivas para abertura de leitos, compras de medicamentos e vacinação”, postou no Twitter.

Ataques

Também ontem, Bolsonaro repetiu críticas ao governador do DF, Ibaneis Rocha. “Nunca passou necessidade na vida... É uma pressão enorme por parte de prefeitos; aqui, por parte do governador do DF, esses caras que nunca passaram necessidade na vida. Só sentem o cheiro do povo por ocasião das eleições, e olhe lá. E, agora, ficam ditando regras de ‘fique em casa’”, apontou. “O próprio governador do DF, quando começou o lockdown aqui, mostrou uma churrasqueira com uns pedaços enormes de picanha. ‘Aqui ó, vou ficando em casa aqui e fazendo um churrasco’. O governador do DF mostrou isso daí. O povo não tem nem pé de galinha para comer mais”, completou. (RS)