Apesar da troca no comando do Ministério da Saúde, quem esperava uma mudança na estratégia de enfrentamento à pandemia se decepcionou com o que ouviu do novo titular da pasta, o cardiologista Marcelo Queiroga. Ele anunciou que dará continuidade ao trabalho do atual gestor, Eduardo Pazuello. Antes mesmo de iniciar o processo de transição, o médico tratou de deixar claro que fará tudo o que o presidente Jair Bolsonaro mandar.
“A política é do governo Bolsonaro, não do ministro. O ministro executa a política do governo”, enfatizou. A declaração confirmou o que especialistas já apontavam: ele foi escolhido justamente porque não pretende se opor ao chefe do Planalto e será tão ou mais obediente do que Pazuello.
Nesta terça-feira (16/3), enquanto Queiroga confirmava que a nova gestão continuará o trabalho feito, nos últimos meses pelo general, o Brasil teve seu pior dia desde o início da pandemia: registrou o recorde de 2.841 mortes em 24 horas e ultrapassou os 280 mil óbitos por covid-19. Essa média diária foi alcançada pelos Estados Unidos, em dezembro de 2020, quando ainda era o país na pior situação.
“É muito difícil Bolsonaro aceitar qualquer ministro que não se curve a ele, que não seja subserviente”, explicou o cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getulio Vargas. “Ele (presidente) ignora questões lógicas em relação à gestão pública e rechaça quem tenta fazer diferente. Pazuello fez praticamente tudo o que ele queria que fizesse. Até a desautorização pública em relação às vacinas ele matou no peito. Foi fiel ao seu chefe. Queiroga talvez saiba se esquivar melhor de cascas de banana.”
De acordo com o especialista, uma mudança de postura por parte de Bolsonaro só ocorreria caso o presidente entendesse que pode ser severamente prejudicado nas próximas eleições. A coerência, no entanto, não é uma marca do governo federal, conforme assinalou.
Secretário executivo do Ministério Saúde no início da gestão Bolsonaro, o médico João Gabbardo lamentou o fato de Queiroga assumir a pasta sem rechaçar o uso de cloroquina ou defender um lockdown, medidas que contrariam a visão do presidente. “O recorde de óbitos hoje (ontem) será em alta escala. Sugestão: não se posicione contra o lockdown nacional”, aconselhou, nas redes sociais, o atual coordenador do Centro de Contingência da covid-19 no governo de São Paulo.
O cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), considerou a troca de Pazuello por Queiroga como “seis por meia dúzia” no ministério, mas acredita que a mudança teve a intenção de evitar desgastes para o governo com uma CPI da Covid no Senado. “Eles estavam muito alvoroçados com essa questão. Pazuello estava vulnerável. Agora, Queiroga será mais um capacho no Ministério da Saúde. Ele mesmo falou que vai continuar o trabalho de Pazuello”, afirmou.
Apesar de ser técnico e ter reconhecimento profissional — é presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia —, Queiroga não desfrutará de mais liberdade do que o antecessor, na avaliação de Fleischer. “Ele é médico, mas já falou a favor da cloroquina. Um médico que defende isso não leva em conta a ciência.”
Novo cargo
A demora do governo em dar posse a Queiroga é para ver se Bolsonaro consegue encontrar um lugar para abrigar Pazuello na estrutura de governo. Afinal, diz-se no Planalto que o presidente não está afastando o ministro por incompetência e, sim, por estratégia política, para ter na saúde um médico. Tanto é que Pazuello participou da conversa do chefe do Executivo com a cardiologista Ludhmila Hajjar, que recusou o cargo. A intenção é não deixar que um general da ativa fique com a pecha de defenestrado.
O problema, porém, é arrumar um cargo para Pazuello que esteja à altura. Não está descartada que ele assuma a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), vinculada à Presidência da República. Hoje, a pasta é ocupada pelo almirante Flávio Augusto Rocha, que ficaria somente com a Secretaria de Comunicação do governo, já ocupada interinamente por ele. Com a SAE, Pazuello garantirá foro especial no caso de processos que responde por omissões na pandemia do novo coronavírus, em especial, a falta de oxigênio em Manaus, que causou uma série de mortes.
(Com Agência Estado)