Vivemos em uma realidade tão depressiva que me esforço sempre para não parecer demasiadamente pessimista. Afinal, se não formos capazes de manter a esperança, apesar de tudo, é melhor ficar em silêncio, pois se desistirmos de perseguir o impossível, nunca vamos alargar os limites do possível. Para que a esperança tenha valor e sentido, no entanto, é preciso que ela se concilie com a razão e não se deixe envenenar pela mais baixa das paixões — a paixão política.
Nesta semana que passou, o ambiente político no Brasil sofreu uma importante transformação. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que havia sido excluído das disputas eleitorais por uma decisão judicial, volta agora a dispor de direitos políticos plenos por nova intervenção do Poder Judiciário.
Conservo desde muito tempo a opinião de que o nosso Judiciário interfere em demasia no processo político e no campo das competências dos outros Poderes, o que é uma desfiguração da vida democrática, que não comporta uma hierarquia entre os Poderes do Estado. Nas democracias, quem deve eleger os governantes é o povo e não as cortes, como decidiu admiravelmente a Justiça dos Estados Unidos no seu último pleito presidencial.
A volta de Lula à vida política, e sua inevitável entrada no processo eleitoral, deu novo ânimo a grande parte das pessoas que assistem com desaprovação e temor às omissões e aos movimentos erráticos do governo Bolsonaro diante da pandemia, do desemprego e da estagnação econômica, que estão ferindo de morte nosso país. Afinal, surgiu um concorrente à altura que, ao menos, põe em dúvida a continuidade desse governo por mais quatro anos, a partir de 2022.
A presença de Lula é uma volta à normalidade da nossa vida pública, pois a interdição de sua candidatura, em 2018, que nos parece hoje estar maculada por motivações políticas, privou o povo brasileiro de uma verdadeira liberdade de escolha. Apesar disso, penso que a perspectiva de termos de escolher, em 2022, entre Bolsonaro e Lula, é um cenário desalentador, senão de desespero.
Não há dúvida de que o país está à deriva e sem poder de reação, diante da mais grave crise sanitária de nossa história e de uma estagnação econômica também sem precedentes, porque nosso governo não compreende o que está acontecendo e não sabe o que fazer. Seria um erro, no entanto, supor que a solução para nossas crises seja uma volta ao passado.
Os governos do PT, depois de um início correto, quando foram mantidos os fundamentos da economia e ampliadas as políticas sociais, nos anos seguintes desorganizou o Estado brasileiro, aumentou os deficits fiscais e a dívida pública para atender, exclusivamente, sua clientela no serviço público, quase arruinou a Petrobras e outras empresas públicas e lançou o país no caminho da recessão e do cinismo moral. Essas são heranças que não podem ser esquecidas e buscar, de novo, o mesmo modo de governar, não vai tirar o país do abismo em que estamos.
Bolsonaro e Lula são dois modos populistas de governar, embora haja diferenças entre eles. Ambos estão aliados aos interesses que capturaram o Estado brasileiro desde há muito tempo, sejam as corporações do serviço público para quem o Estado é sua propriedade, sejam grupos privilegiados do setor privado que não sobrevivem sem os favores do Estado. Por isso, somos um país tão rico e, ao mesmo tempo, ainda tão pobre.
Para termos algum futuro, e até mesmo para sobrevivermos como uma sociedade civilizada, precisamos fazer as coisas de um modo diferente do que tem sido feito até agora. Voltar ao passado para nos livrar do presente não é o melhor caminho se ainda queremos ter algum futuro.
Hoje, isso parece muito difícil ou mesmo improvável, mas repito aqui algumas palavras da filósofa judia Hannah Arendt, que viveu realidades muito piores: todos os homens, de um modo misterioso, são manifestamente dotados para fazer milagres e, enquanto puderem agir, são aptos a realizar o improvável e o imprevisível e realizam-no continuamente, quer saibam disso, quer não.
Espero que ela tenha razão.