Dois episódios ocorridos na última semana mudaram o cenário político para 2022. A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin de anular as condenações do ex-presidente Lula na Lava-Jato em Curitiba e o retorno político do ex-presidente, com um discurso veemente contra o atual ocupante do Planalto, modificaram o tabuleiro eleitoral. A reaparição de Lula aprofundou a polarização de 2018, afetando a candidatura de candidatos da esquerda ou do centro. E tornou mais difícil a disputa para o Palácio do Planalto.
O cenário indefinido na corrida eleitoral de 2022 está evidente. Na última semana, a pesquisa Atlas indicou que Jair Bolsonaro perderia em um eventual segundo turno contra Lula. O presidente teria cerca de 38,8% dos votos contra 44,9% do petista. Bolsonaro também perderia para Ciro e Mandetta, que conquistariam 44,7% e 46,6% dos votos, respectivamente; Bolsonaro ficaria 37,5% e 36,9% das preferências dos eleitores. A margem de erro do levantamento é de dois pontos percentuais para mais ou para menos. Para o levantamento, foram ouvidas 3.721 pessoas entre os dias 8 e 10 de março.
Para o cientista político Eduardo Grin, da Fundação Getulio Vargas, Bolsonaro é o melhor cabo eleitoral de Lula e vice-versa. Ele entende que ainda há forte rejeição ao PT na sociedade. Mas, diferentemente da eleição de 2018, o adversário não é mais Fernando Haddad (PT).“Em 2018, a rejeição do PT era alta. A sociedade tinha uma agenda muito forte de combate à corrupção e Lula estava preso. Em 2022 será um cenário muito diferente. Bolsonaro vai chefiar um país que não terá saído da crise econômica. Ele abandonou as bandeiras de campanha e há indícios de corrupção na família dele. Então chega fragilizado em 2022”, comenta.
Eduardo Grin acredita que a estratégia principal do petista deve ser comparar o atual governo, envolvido em uma grave crise econômica, com administração lulista, marcada por conjuntura mais favorável à geração de empregos. Para ele, o candidato que melhor conseguir se posicionar ao centro terá mais apoio. “Vamos ter dois polos: um é o da extrema direita, de Bolsonaro. E o centro fica livre para o Lula. Ele já ocupou esse espaço”, avalia.
Doria e Ciro
Nesse cenário, avalia Grin, se os partidos de centro quiserem ser competitivos, devem apresentar logo seus candidatos. No caso do PSDB, o cientista político acredita que o governador de São Paulo, João Doria, enfrenta dificuldades. “Doria é governador de São Paulo, ninguém o conhece nacionalmente. Outro desafio dele é convencer o partido que quer ser candidato”, observa.
Grin também vê uma perda de força de candidaturas como a de Ciro Gomes, (PDT), que pode se isolar politicamente. Ex-ministro e ex-governador, Ciro se apresenta como parte de uma esquerda responsável e alternativa. Foi rápido ao afirmar que não está à disposição do PT. “Não contem comigo para esse circo macabro”, disse ele em entrevistas ao UOL e à Band News na última semana.
O cientista político Márcio Coimbra também vê uma tendência de isolamento de Ciro. “O voto da esquerda tradicionalmente vai com o Lula, não com o Ciro. Ele carrega uma coisa muito ruim, que é o fato de soar como o Bolsonaro da esquerda. E essa eleição, assim como nos EUA, vai ser a eleição de quem conseguir se colocar ao centro. Logo, se for entre Bolsonaro e Lula, quem ganha é Lula”, afirma.
Coimbra observa, no entanto, que um candidato de centro seria capaz de tirar Bolsonaro do segundo turno se agradar o eleitorado. “É preciso saber separar o petismo do lulismo. Tem muita gente que não é petista, mas vota no Lula. Ele deve ter seus 25% no primeiro turno, isso o colocará no segundo. E Bolsonaro estará longe de quatro linhas que deram as eleições para ele em 2018: a Lava-Jato, os liberais, conservadores e antipetistas. Esse pessoal, por excelência, não vota no Bolsonaro, vota numa terceira via”, indica o especialista.
Coimbra destaca, ainda, que a pandemia deve ser um dos pontos centrais dos debates para o pleito de 2022. “Dentro da saúde, claro, a conduta do governo federal será um desses pontos. E o outro será certamente a economia. A economia poderia ter se recuperado melhor. Então esse é outro ponto importante, porque o bolso das pessoas vai chegar vazio à eleição”, completa.