Nas entrelinhas

O assombro do Planalto

Considerado ameaça sanitária global em razão do avanço devastador da covid-19, o Brasil bateu, esta semana, uma marca digna do título: passou a ser o país onde mais se morre da pandemia no mundo. Já ultrapassamos com folga a barreira dos 2 mil mortos diários e seguimos velozmente rumo ao decesso de três milhares de almas a cada 24 horas. Em poucas semanas, a continuar o colapso do sistema de saúde e a voracidade do vírus, assistiremos a um atentado ao World Trade Center por dia. Corre risco de tornar-se realidade a profecia de Luiz Henrique Mandetta, quando perguntou ao chefe negacionista do Planalto se ele estava preparado para ver caminhões do Exército transportando corpos pelas cidades brasileiras. Com um ministro absolutamente inepto para chefiar o enfrentamento da covid, uma oposição sistemática às medidas extremas de estados e municípios e um negacionismo que beira o delírio, o governo Bolsonaro insiste em dobrar a aposta com a doença. Está perdendo assombrosamente, à custa da vida de milhares de brasileiros.


Nesse primeiro ano de pandemia, completado em 11 de março, o Brasil ultrapassou a casa dos 270 mil mortos por covid-19. “E daí?”. Não foi a catástrofe sanitária que atormentou Bolsonaro esta semana. Nos últimos 12 meses, o presidente jamais se dignou a acompanhar de perto o atendimento às vítimas do coronavírus em unidade do SUS; tampouco presenciou alguma etapa da vacinação em qualquer ponto do país. O combate ao vírus simplesmente não faz parte da agenda presidencial. O que provocou reação imediata no chefe do Planalto foi o ressurgimento de um adversário político, o ex-presidente Lula. Tal qual um fantasma, o petista assombrou a tropa bolsonarista de maneira tão evidente que o “mito”, em um momento irreconhecível, chegou ao cúmulo de usar máscara em uma cerimônia oficial. O homem-símbolo do lulopetismo representa, agora, a maior ameaça aos planos políticos de Bolsonaro. Não propriamente pela possibilidade de concorrer em 2022, mas porque Lula, neste momento, significa tão-somente um contraponto ao chefe do Executivo. De máscara, obediente ao distanciamento social e com críticas pesadas à política desastrosa do governo federal contra a crise sanitária, o eterno candidato a presidente precisou de pouco mais de uma hora para desestabilizar o titular do Planalto.


De forma alguma, no entanto, Lula pode ser visto como o salvador da pátria. O que se assistiu no Supremo Tribunal Federal, esta semana, diz mais sobre o Judiciário do que sobre o réu. A decisão esdrúxula de anular as sentenças da 13ª Vara Federal de Curitiba, após sete anos de Lava-Jato, e o voto demolidor de Gilmar Mendes, colocando em xeque a credibilidade da força-tarefa, impõem sérias dúvidas sobre o sistema penal brasileiro e a conduta de agentes da lei. Mas não permitem conclusões definitivas a respeito das acusações que pesam contra o prócer petista. Não se pode dizer que Lula é inocente. No máximo, e por enquanto, é um sobrevivente dos dois maiores escândalos de corrupção de que se tem notícia na história nacional recente. Afora a esfera criminal, diga-se que a estrela do PT simboliza uma política econômica intervencionista, que assumiu proporções catastróficas na gestão de Dilma Rousseff. Por todas essas razões, é cedo para vislumbrar um duelo nas urnas entre Lula e Bolsonaro. Mas eles já estão em campo.
O que se torna evidente, a esta altura dos acontecimentos, é a necessidade de uma alternativa política às opções que se apresentam até aqui. Busca-se uma força política que tenha responsabilidade no combate à covid-19, cujos efeitos já se estendem para os próximos anos, e que ajude o Brasil a superar o atraso, o obscurantismo, os privilégios e o compadrio que tanto maculam o país.