A intervenção do presidente Jair Bolsonaro na Petrobras vinha sendo gestada há pelo menos três semanas antes de 18 de fevereiro, quando, na live das quintas-feiras, disse que “algo aconteceria” na estatal. Ele reuniu uma série de críticas a Roberto Castello Branco, principal executivo da petroleira, todas remetidas pelos caminhoneiros, a maior parte cobrando a troca no comando da estatal, para tomar a drástica decisão. Sob o risco de perder o apoio em uma categoria com grande capilaridade e capacidade de mobilização, mostrou a Paulo Guedes o desgaste que os constantes reajustes da gasolina e do diesel faziam à sua imagem. E pediu a cabeça do amigo do ministro da Economia, que a entregou em uma badeja de prata.
Os caminhoneiros tinham marcado um gol de placa, sobretudo depois que setores da categoria obrigaram o governo a se desdobrar para evitar uma greve nacional que, como em 2018, traria desabastecimento e derrubaria ainda mais a declinante popularidade de Bolsonaro. A mais recente pesquisa de opinião sobre o desempenho do presidente e de seu governo, realizada pelo Inteligência, Pesquisa e Consultoria (Ipec), divulgada na última quinta-feira, mostra que 58% dos entrevistados desaprovam o governo, enquanto 38% aprovam e 5% não souberam responder. Mais: mesmo com 28% considerando sua gestão ótima ou boa, 39% a veem como péssima ou ruim.
Se a intervenção na Petrobras custou à estatal R$ 74,2 bilhões em perda de valor de mercado, em apenas 24h, para Bolsonaro, valeu a permanência ao seu lado dos principais setores da categoria, que emparedou o governo Michel Temer e tracionou a campanha do hoje presidente. Uma fiel parceria que, na última sexta-feira, empoderada também pela alíquota zero da PIS-Cofins sobre o diesel decretada pelo governo federal, decidiu que podia interditar a Marginal Tietê, em São Paulo, em protesto contra o fechamento do comércio por ordem do governador João Doria, desafeto político do chefe do Executivo.
Em 2018, quase 800 mil profissionais da categoria adesivaram caminhões, participaram de atos pró-Bolsonaro e protestaram contra candidaturas da oposição. Apesar das decepções e insatisfações nos últimos meses, provocadas, principalmente, pelos sucessivos aumentos no diesel, o bolsonarismo ainda se mantém forte entre a classe.
Tanto que representantes da categoria relatam, com orgulho, não terem barreiras nas negociações com o governo federal. O assessor-executivo da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), Marlon Maues, destaca que as conversas são permanentes. “Existe um diálogo amplo entre nós e o governo, por meio do Ministério da Infraestrutura ou o da Economia, com uma agenda positiva para destravar as necessidades dos caminhoneiros. Foram várias conquistas nesses últimos meses. Tudo que está sendo tratado na questão do diesel está em andamento. Diesel é insumo: se o preço diminuir, o valor do frete também diminui”, afirma.
Júnior Almeida, presidente do Sindicato dos Caminhoneiros de Ourinhos, confirma a linha direta com o Palácio do Planalto e diz que a categoria se opõe aos governadores, sobretudo Doria. Isso porque o peso do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é estadual, impacta expressivamente no preço do diesel. “Os estados não estão ajudando. O pessoal ainda não entende que, com o transporte de cargas priorizado, é melhor pra todo mundo”, ressalta.
Mas a força da dobradinha Bolsonaro-caminhoneiros depende do general Joaquim Silva e Luna à frente da Petrobras. “Buscar o apoio dos caminhoneiros, pelo poder de mobilização, é uma boa estratégia. Mas se fizer reajustes abaixo da inflação, significa que a Petrobras está comprando caro e vendendo barato. O controle direto pode levar prejuízo aos cofres da empresa ou ao desabastecimento”, alerta Alexandre Pires, professor de Relações Internacionais e Economia do Ibmec.