A dificuldade do Brasil em controlar a pandemia da covid-19 segue afetando os indicadores econômicos e, com isso, fica cada vez mais evidente a incerteza de setores da sociedade sobre quando a situação será normalizada e o país retomará o caminho do crescimento. A desconfiança paira, sobretudo, entre integrantes do mercado financeiro e do setor produtivo, que esperam do governo federal uma resposta mais eficiente contra o novo coronavírus para que seja possível reverter o cenário. Muito se perguntou até aonde vai o apoio do setor produtivo ao governo.
Na avaliação de agentes econômicos, o Executivo tem avançado alguns passos ao buscar acordos para a aquisição de vacinas — na última semana, o Ministério da Saúde anunciou negociações para a compra dos imunizantes produzidos pelas farmacêuticas Janssen, Pfizer e Moderna. No entanto, eles lamentam que o presidente Jair Bolsonaro tenha voltado a minimizar os impactos da crise sanitária. Além de ter renovado as críticas às medidas de isolamento social e de restrição ao comércio, no dia em que o Brasil bateu a marca de 260 mil mortos o mandatário pediu para a população deixar de choro e parar de fazer “mimimi” por conta da covid-19.
Vacinas
Economistas entendem que Bolsonaro deveria concentrar esforços mais em ações de combate à doença do que em menosprezar a pandemia. Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central (BC) e hoje economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), diz que a vacinação é uma condição imprescindível para impulsionar a sensação de segurança da população e proporcionar a retomada da atividade econômica.
“O nosso maior problema, hoje, é a falta de vacina. Se a imunização estivesse em um ritmo mais acelerado, certamente não estaríamos em uma situação tão delicada. A vacinação em larga escala será fundamental para estimular a economia”, avalia. Segundo Freitas, a demora e as falhas do Executivo no Plano Nacional de Vacinação contra a covid-19, além dos reflexos para a população, diminuem a confiança do mercado financeiro e do setor privado no governo. Ambos esperam sinalizações mais concretas do Planalto de que há um plano em curso para a recuperação da economia.
“Hoje, o Executivo faz o que pode fazer e, basicamente, só consegue apagar incêndios. Contudo, os projetos do governo são de vital importância para recuperar a confiança dos agentes econômicos”, destaca o economista-chefe da CNC.
Em fevereiro, levantamentos feitos pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas mostraram queda nos índices que medem a confiança empresarial, da indústria e de serviços. O avanço da nova onda de covid-19 e a lentidão na imunização da população foram algumas das razões apresentadas por analistas da instituição para o resultado dos indicadores.
“Novos avanços dependerão de fatores como a contenção da atual onda de covid-19, da aceleração do programa nacional de vacinação e da chegada da rodada de auxílio emergencial que vem sendo negociada entre o Executivo federal e o Congresso”, destaca a entidade.
Apreensão
O economista-chefe da RPS Capital, Gabriel Leal de Barros, destaca que o governo precisa trabalhar com o Legislativo pela aprovação de marcos legais e de reformas estruturantes, em especial, a tributária, para não se distanciar dos agentes econômicos. De acordo com ele, outro importante recado que a classe política pode passar neste momento para evitar instabilidades no mercado é o compromisso com a austeridade fiscal.
“O mercado está nervoso e desconfiado. Há muitos desequilíbrios na economia brasileira, e os investidores estão apreensivos se Congresso e governo vão conseguir endereçar esses problemas. A economia brasileira está em um equilíbrio muito tênue. O fiscal é o calcanhar de Aquiles, a maior fragilidade que a gente tem, e é necessário aprovar a agenda de reformas para resolver esses desequilíbrios”, analisa. Barros alerta que é crucial que pelo menos alguma dessas pautas de cunho econômico avance até setembro.
“Se demorar mais, teremos uma desorganização socioeconômica. O desemprego vai aumentar e, na esteira do desemprego, há o aumento da desigualdade e da informalidade. Esse colateral negativo no mercado de trabalho tem repercussões políticas. Se esse cenário se materializar, é possível que o Congresso abandone a agenda e tente proteger essas pessoas gastando mais dinheiro. E aí, há uma nova rodada de piora fiscal. Ninguém quer isso.”
Petrobras
Economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito pondera que a urgência para algumas demandas políticas, como a mudança na Petrobras por conta dos preços dos combustíveis e o corte de impostos sobre o gás de cozinha, tem atrapalhado a análise de temas econômicos. Por isso, há um sentimento difuso no mercado financeiro de que, hoje, as reformas não têm espaço na agenda do governo. Esse é outro ponto que precisa ser ajustado.
“A construção de uma credibilidade na agenda, de novo, demora. O problema do Brasil é a falta de planejamento. Esse plano tem que ser pensado o tempo todo. Como o presidente Bolsonaro sinalizou, talvez tenhamos chegado a alguns limites políticos que dificultam o ajuste econômico. Se o cenário está complexo, o mercado intui que não vai ser simples resolver essas questões. É mais um problema que Bolsonaro precisará administrar.”