A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), na última semana, de conceder ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acesso a mensagens apreendidas na Operação Spoofing, com diálogos entre Sergio Moro e integrantes da Lava-Jato, fez com que o nome do ex-juiz federal, que se consagrou pela atuação na operação, voltasse ao centro político. Ele nunca deixou de ser cogitado para a disputa eleitoral de 2022 — sendo, inclusive, lembrado nas pesquisas de intenção de voto —, mas vem perdendo força desde a entrada no governo de Jair Bolsonaro, no qual ocupou o cargo de ministro da Justiça. A situação tende a piorar com o julgamento da suspeição dele, no STF, que pode anular o processo do triplex do Guarujá, no qual Lula foi condenado à prisão.
O enfraquecimento de Moro beneficia petistas e bolsonaristas. Analistas políticos apontam que os dois lados preferem a polarização em 2022, como ocorreu em 2018. No caso de Lula, mesmo que não recupere os direitos políticos, dará apoio a Fernando Haddad na corrida pelo Planalto. Caso o STF considere que o ex-juiz foi parcial no julgamento do triplex, petistas poderão explorar o discurso de perseguição e injusta condenação sofrida pelo partido no passado, apontando que a execração pública da legenda levou Bolsonaro ao poder.
Mesmo sem o julgamento de suspeição, já existe decisão no Supremo que ajuda a reforçar a tese contra Moro. No ano passado, a Segunda Turma (a mesma que vai avaliar a eventual parcialidade do ex-juiz) retirou a delação do ex-ministro Antonio Palocci na ação contra o ex-presidente relativa a recebimento de propina por meio de um terreno que seria destinado ao Instituto Lula. O depoimento foi incluído no processo pouco antes da eleição de 2018, e Moro retirou o sigilo seis dias antes do primeiro turno. Os ministros apontaram parcialidade do ex-juiz, entendendo que ele quis criar um fato político às vésperas do pleito.
Um revés de Moro, e um consequente abalo à imagem dele, agradaria, também, a Bolsonaro, porque o presidente focaria no seu adversário favorito, o PT. “O que o petismo e o bolsonarismo desejam é se enfrentar novamente. O PT vê isso como uma possibilidade de vitória. Num cenário de hoje, é mais fácil do que enfrentar Ciro (Gomes) ou a centro-direita (como o governador de São Paulo, João Doria)”, afirma Marco Antônio Carvalho Teixeira, cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo. “E Bolsonaro, na medida em que perdeu a imagem de mito, de anticorrupção, ele, de certa forma, vai ter de contar com inimigo imaginário, e ele não tem outro a não ser o petismo.” Conforme o professor, uma eventual saída de Moro da corrida favoreceria, também, a centro-direita, que poderia ter de dividir votos.
Cientista político da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Ricardo Ismael afirma que os interesses de Bolsonaro e de Lula convergem quando se trata de desgastar Moro. “Ambos são beneficiados. Haddad quer enfrentar Bolsonaro, e Bolsonaro quer Haddad. Eles querem fragmentar o centro. E Haddad acha que é mais fácil vencer Bolsonaro do que um candidato de centro. O presidente tem o mesmo pensamento. A polarização interessa aos dois lados”, ressalta.
Além disso, Moro traria junto o discurso anticorrupção que, segundo o professor, atinge o PT por todos os escândalos, como os envolvendo a Petrobras, e Bolsonaro, que se aliou ao Centrão e ainda lida com problemas familiares, como a denúncia enfrentada pelo filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), de esquema de rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio quando ele era deputado estadual.
Arrogância
O analista Melillo Dinis, do portal Inteligência Política, ressalta que se Lula tiver condições de disputar as eleições (caso recupere os direitos políticos), é o “adversário ideal para Bolsonaro”, na visão do presidente da República. “Bolsonaro quer manter a polarização e jogar pesado pelo retorno de um modelo de política que, em certa medida, ele representou como um antagonista. O Lula é o ‘meu malvado favorito’ de Bolsonaro”, destaca. Para o especialista, entretanto, a avaliação do chefe do Planalto pode estar equivocada. “Sob o ângulo da disputa eleitoral, ninguém consegue saber quem é seu melhor adversário. Ninguém sabe como estará o país em 2022”, pondera. De acordo com ele, o raciocínio pode ser fruto de arrogância: “O maior adversário de Bolsonaro é ele próprio”.
Na sexta-feira, ficou mais clara a “união” de Bolsonaro e Lula contra a figura de Moro — a personificação da Lava-Jato. Depois de o petista ter tido acesso às mensagens apreendidas na Spoofing (leia Saiba mais), o chefe do Planalto afirmou que também queria ver as mensagens trocadas entre integrantes da força-tarefa. “Para que não haja dúvida, mandei pedir aquela matéria hackeada que está na mão do PT, na mão do Lula. Tem meu nome lá. Alguma coisa já passaram para mim. Vocês vão cair para trás. Chegando, eu vou divulgar”, disse Bolsonaro a apoiadores. “O Lula não vai divulgar. Já falou que não vai divulgar. Eu vou divulgar. Você vê a perseguição ali, conversas de autoridades falando como é que entravam na minha vida financeira, da minha família.”
Outros atores
As vantagens de Moro ficar fora da disputa não se restringem a Lula e Bolsonaro, como destaca Ricardo Ismael. De acordo com ele, os atores políticos não gostam da presença do ex-juiz, seja por ele trazer a agenda de combate à corrupção, seja por criar uma terceira força que quebra a polarização. Além disso, uma terceira via poderia retirar votos de outras figuras que tentam ser a opção para além de Bolsonaro e Lula, como João Doria.
Melillo Dinis faz coro. Conforme afirma, os demais concorrentes seriam contemplados com a saída de Moro da jogada, porque o ex-juiz angaria votos dos eleitores de centro, que ficam entre a esquerda e a extrema direita. Assim, a figura dele deixa o cenário mais “pulverizado” para quem está nesse campo político.
Hackers
A Operação Spoofing foi deflagrada em 2019 para investigar grupo de hackers que invadiu celulares de autoridades, incluindo procuradores da Lava-Jato, o ex-ministro Sergio Moro e o presidente Jair Bolsonaro.
Neste semestre
O ministro Gilmar Mendes, do STF, disse, na semana passada, que o julgamento da suspeição de Moro deve ocorrer ainda neste semestre. A expectativa da defesa de Lula é de que seja possível derrubar a inelegibilidade do ex-presidente com uma decisão desfavorável ao ex-juiz. Entretanto, Lula também é condenado no processo do sítio de Atibaia (SP). Ao site Jota, Mendes afirmou que caso a sentença de Lula no caso do triplex seja revertida, não vale para outros casos. Segundo o ministro, é preciso analisar cada situação.