JUDICIÁRIO

Acesso total aos diálogos de Moro

Segunda Turma do STF libera, por 4 a 1, acesso da defesa de Lula ao conteúdo apreendido pela Operação Spoofing, que registra contatos entre ex-juiz e procuradores da Lava-Jato. Conversas podem levar à anulação do processo do triplex no Guarujá

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) validou, por 4 votos a 1, o acesso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seus advogados aos diálogos apreendidos pela Operação Spoofing, da Polícia Federal. Os arquivos contém o registro de conversas trocadas entre o ex-juiz Sergio Moro e procuradores da força-tarefa da Operação Lava-Jato, em Curitiba. A defesa do petista já está com os arquivos e o uso dos diálogos, realizados por aplicativo de mensagens, no processo foi autorizado por quatro dos cinco ministros da Turma.

A medida cria mecanismos que podem auxiliar a defesa do ex-presidente a obter a anulação de processos que pesam contra ele. As conversas ocorreram enquanto Moro e os procuradores atuavam no caso em que Lula é acusado de receber um apartamento triplex no Guarujá (SP) como forma de propina paga pela construtora OAS. Nelas, se observa, em vários momentos, que o ex-juiz orientou os procuradores e com eles trocou ideias sobre procedimentos, o que extrapolaria o contato regular entre o julgador e as partes.

O ex-presidente foi condenado por Moro, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e teve a pena confirmada no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Atualmente, Lula recorre no STF e no STJ e argumenta, entre outras coisas, que o ex-juiz da Vara Criminal de Curitiba foi parcial durante o processo, violando o ordenamento jurídico e o direito à ampla defesa.

Em seu voto, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que as mensagens apontam ilegalidades na atuação de Moro e dos procuradores. Ele identificou uma “parceria indevida” entre o Ministério Público e o Judiciário. “Como se viu, a pequena amostra do material coligido até agora já se afigura apta a evidenciar, ao menos em tese, uma parceria indevida entre órgão julgador e acusação”, disse o magistrado.

O entendimento de Lewandowski, que beneficia Lula, foi seguido pelo ministro Kássio Nunes. A ministra Cármen Lúcia destacou que o julgamento não valida o conteúdo das mensagens e que não avalia se as provas são legais para afetarem a tramitação de ações na Justiça. Ela seguiu o relator e votou para que os advogados de Lula permaneçam com acesso às mensagens.”, observou.

Ação coordenada
O ministro Gilmar Mendes destacou que conhecer os arquivos é importante para garantir o acesso à defesa do réu. “A extrema gravidade dos acontecimentos perpetrados exige que se confira à defesa o direito de questionar, de impugnar eventuais ilegalidades processuais que se projetam como reflexo da atuação coordenada entre acusação e magistrado”, salientou.

Para Gilmar, a Lava-Jato montou, em Curitiba, um sistema “totalitário”, que suprimiu os direitos de defesa de Lula. Ele criticou os procuradores, o Judiciário e a imprensa, que teria sido “complacente”. “Isto envergonha os sistemas totalitários, não tiveram tanta criatividade. Da União Soviética, da Alemanha Oriental”, completou.

O ministro Edson Fachin divergiu por entender que o conteúdo das mensagens não deve ter validade jurídica até que o tema seja avaliado no plenário do STF. As mensagens foram obtidas por hackers e apreendidas pela Polícia Federal durante a operação Spoofing. A discussão que ainda deve ser travada no Supremo é se provas de origem ilegal podem ser usadas em ações penais para beneficiar o réu.

Em nota, Moro manifestou-se sobre a decisão do STF dizendo que “nenhuma das supostas mensagens retrata fraude processual, incriminação indevida de algum inocente, sonegação de prova, antecipação de julgamento, motivação político-partidária, quebra da imparcialidade ou qualquer ato ilegal ou reprovável”.

TSE rejeita ação contra chapa Bolsonaro-Mourão
O Tribunal Superior Eleitoral rejeitou, ontem, uma das ações que acusam o presidente Jair Bolsonaro e o vice Hamilton Mourão de se beneficiarem de disparos ilegais de mensagens em massa, durante as eleições de 2018. A Ação de Investigação Judicial Eleitoral foi aberta a partir de uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo sobre eventual uso de sistemas robotizados para espalhar fake news. O relator do caso, ministro Luís Felipe Salomão, destacou que os autores da ação não apresentaram elementos para caracterizar irregularidade. O presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, destacou que disparos em massa pelas redes sociais e fake news ameaçam as democracias.


Julgamento de recurso de Flávio é suspenso

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu o julgamento de recursos apresentados pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na ação relacionada ao suposto esquema de rachadinha, quando era deputado estadual, no gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Os advogados do parlamentar tentam anular trechos da investigação.

O julgamento foi interrompido por um pedido de vista — mais tempo para analisar o caso –– pelo ministro Félix Fischer. No momento em que a análise do caso foi interrompida, o ministro João Otávio Noronha já tinha votado para dar provimento parcial às contestações dos advogados do senador.

Os procedimentos que estão sendo questionados resultaram na denúncia oferecida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) contra Flávio, o ex-auxiliar do então deputado, Fabrício Queiroz, e outras 15 pessoas. No processo, a defesa do parlamentar questiona os fundamentos que autorizaram a quebra de sigilo do cliente. Em outro recurso, questionam também a legalidade do compartilhamento de dados entre o antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), ligado à Receita Federal, e o Ministério Público. O julgamento pode ser retomado na próxima semana.

Improbidade
Também no STJ, foi mantida a multa estipulada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) em uma ação de improbidade administrativa contra João Doria. A Corte julgou um recurso especial que pedia a anulação da penalidade. A ação corre desde 2018, quando o hoje governador de São Paulo era prefeito da capital. Na época, a prefeitura promovia, desde 2017, um programa de zeladoria urbana sob o nome SP Cidade Linda.

Em sua decisão, o relator do caso no STJ, ministro Herman Benjamin, afirmou que a audiência não estava debatendo a ação de improbidade administrativa e, sim, um incidente processual de imposição de multa com base no artigo 77 do Código de Processo Civil. Ele ressaltou um descumprimento da proibição, quando, em março de 2018 –– um mês após a decisão judicial ––, uma faixa contendo a marca teria sido exposta em uma reunião.

O ministro endossou a decisão do TJ-SP ao afirmar que o réu teve oportunidade de apresentar justificativas todas as vezes em que o descumprimento foi alegado pelo MP-SP, o que exclui possibilidade de ofensa ao contraditório e à ampla defesa. (RS com Israel Medeiros, estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi)