Economia, reeleição e sinais para a própria base de eleitores estão no cálculo de Jair Bolsonaro em sua relação com o Congresso. Após dois anos de confronto, com direito até a apoio a manifestações antidemocráticas que pregavam o fechamento das casas legislativas, adversários e apoiadores se questionam o quanto deverá durar a lua de mel com o parlamento. Com aliados nas presidências da Câmara e do Senado, a tendência de aproximação é certa. Mas ainda há incertezas. Na semana passada, Jair Bolsonaro entregou aos novos líderes do Congresso uma lista com 35 matérias consideradas importantes. Desse total, 25 são pautas econômicas.
O documento entregue pelo chefe do Executivo a Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) sinaliza os rumos da relação entre o Executivo e o Legislativo. Em primeiro lugar, o governo indica atenção especial a temas econômicos no próximo período. Bolsonaro sabe: o Brasil precisará reagir, ou o Centrão, grupo do qual ele fez parte por toda a trajetória política, não o acompanhará em um eventual desastre. Outras 10 pautas são ideológicas. Esse é o sinal para os eleitores. A mensagem é que o chefe do Executivo continuará o mesmo. O sinal é importante pois as circunstâncias políticas para uma reeleição serão muito diferentes das de 2018, e o presidente terá que mudar.
Para o analista político da Consultoria Dharma, Creomar de Souza, uma variável no relacionamento é que os presidentes da Câmara e do Senado precisarão de estabilidade e compromisso para tocar a agenda. Isso coloca os líderes do Congresso entre o Planalto e uma Câmara que sai dividida das eleições. A segunda parte tem a ver com a relação entre deputados e o Executivo. “Na lógica de acordo e compromisso, o executivo se comprometeu com os parlamentares e os parlamentares se comprometeram com o executivo. Temos que ver o quanto o acordo dura, ou o quanto terá que ser renovado. O governo vai decidir no varejo, a cada votação? Com o tempo, é preciso ajustes finos no acordo. E o governo vai ter que compatibilizar suas necessidades, os ajustes, e a voracidade dos aliados por benefícios. O governo vai dar com uma mão, esperando com a outra”, explica.
Bolsonaro não deverá ignorar que depende cada vez mais do Centrão para sobreviver e construir a reeleição. Isso porque os deputados sempre têm a opção de se desvincular do governo. “Tem que alimentar do ponto de vista relacional, essa base, cotidianamente, de meios e instrumentos, para que sejam capazes de ter o que mostrar nas bases para não sofrerem pressão por apoiar o governo. E quando você joga a pandemia, é ainda mais complexo, pois é preciso dar respostas rápidas. Até onde eles vão, dependem do governo”, avalia Creomar.
Aliança complexa
Para o vice-líder da oposição, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), é cedo para definir como será o biênio sob a presidência de Lira e, consequentemente, entender como a relação do novo presidente da Câmara com Bolsonaro se desenrolará. Porém, ele lembra, entre os eleitores do aliado de Bolsonaro, muitos parlamentares não votam no governo. “Lira foi eleito com uma aliança muito grande e muito complexa. Tem de tudo nessa aliança. Bolsonaristas radicais, deputados pragmáticos que dão apoio ao governo em troca de vantagens, e até gente de oposição. Não diria que a aliança que o elegeu é toda base do governo”, avalia.
Por isso, para Orlando, a tendência é que Lira não sustente 100% a agenda de Bolsonaro. “Inclusive agenda de costumes. O Bolsonaro não será, no próximo biênio, o que ele foi no primeiro. Bolsonaro só pensa na reeleição. E vai se amoldando ao figurino que caiba para viabilizar sua eleição. Inclusive, polarizando apoio de partidos. Na semana passada, começou o concurso entre o DEM e o Progressistas, sobre quem indicaria o vice de Bolsonaro. Ele vai ter uma dificuldade enorme por conta da economia. A economia brasileira está à deriva. Não tem horizonte. Pautas de autonomia do Banco Central, privatizações, é mais veneno. Não vai retomar o crescimento e gerar emprego. O grande risco de Bolsonaro é a economia”, alerta.
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, por sua vez, ameniza. Para ele, o presidente da República consolidou um ambiente “muito favorável”. “Trouxe maioria do DEM, PSDB, boa parte do MDB, que, acredito, deve vir todo, e isso abre caminho para fazer a grande aliança para a sua sucessão”, afirma Barros.
O líder do Cidadania, Alex Manente (SP), vai em linha parecida com a de Orlando Silva. “Tem um conjunto de fatores para a eleição tanto de Lira quanto de Pacheco. Obviamente, teve o apoio do governo, mas não foi só o apoio do governo que deu a vitória aos dois. Tem uma responsabilidade da Câmara com a pauta econômica, que será a prioridade. Reforma tributária, administrativa, orçamento e auxílio emergencial, preocupação com pandemia. E o apoio a Bolsonaro se dará de acordo com a reação da economia. Enquanto ele tiver fôlego, ele terá apoio. No momento em que perder popularidade por falta de reação econômica do Brasil, naturalmente ele perde apoio”, destaca.
Outro tema caro para os parlamentares é a continuidade de um auxílio financeiro aos brasileiros mais vulneráveis. Ao apresentar a sua lista de prioridades ao Congresso, o presidente Bolsonaro deixou o assunto de fora, apesar de uma série de proposições legislativas sobre o tema estarem em discussão no parlamento. “Temos que manter o auxílio emergencial, que interessa a mais de 100 milhões de pessoas. Segundo o IBGE, são mais de 51 milhões vivendo na extrema pobreza. Os problemas sociais do Brasil são gigantes”, alerta o senador Paulo Paim (PT-RS).
E é por conta dos estragos provocados pela crise sanitária no país que o Legislativo não vai facilitar a vida do Palácio do Planalto, apesar das mudanças nas presidências da Câmara e do Senado. Os parlamentares querem dar prioridade à instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a conduta do governo diante da covid-19. Um texto elaborado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) até já foi protocolado na Casa, com a assinatura de 31 senadores. Caberá ao presidente Rodrigo Pacheco (DEM-MG) decidir se aceita ou não o pedido.
“Esse pedido é para que, por meio de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, possamos instaurar uma investigação independente do Congresso Nacional para apurar as causas, as razões. Não é encontrar culpados, mas saber quem deliberadamente por omissão possibilitou que centenas de milhares de famílias brasileiras fossem separadas, divididas, vulnerabilizadas, que centenas de milhares de compatriotas nossos fossem tirados do nosso convívio. Essa investigação é um dever do Congresso Nacional”, pondera Randolfe.