Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ouvidos reservadamente pelo Correio, relatam apreensão com as futuras votações no Congresso Nacional. A avaliação é a de que deve aumentar o número de decisões do Legislativo que acabam nas mesas dos gabinetes dos magistrados e que entram para a pauta do plenário em razão de eventuais inconstitucionalidades. Ao mesmo tempo, a eleição de aliados nos comandos da Câmara e do Senado deve dar fôlego ao Executivo para avançar com a pauta ideológica. Deve ser questionada no Supremo, por exemplo, maior abertura para aquisição da posse e do porte de armas de fogo, potenciais alvos de decretos do presidente Jair Bolsonaro na próxima semana.
O ministro Edson Fachin, do STF, vetou, no começo deste ano, a medida provisória que zerava o imposto de importação para armas de fabricantes estrangeiras. A medida ainda precisa ser avaliada pelo colegiado, no entanto, demonstra uma tendência do Supremo em barrar pautas armamentistas. A maioria dos ministros entende que a segurança pública é responsabilidade do Estado, que deve garantir também a integridade do patrimônio privado e a inviolabilidade do domicílio dos brasileiros, repelindo ações criminosas isoladas ou fruto do crime organizado.
Um ponto praticamente unânime entre os ministros do Supremo é de que a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) não tem condições de assumir a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Em razão de um acordo entre os partidos, a escolha do comando do colegiado é do PSL, partido da parlamentar. A grande crítica é de que a deputada é alvo de um inquérito aberto na Corte para investigar ataques e fake news contra os ministros. “Ela foi uma das críticas mais ferrenhas do ministro Celso de Mello, algo que mexeu muito com todos, pois, à época, ele era nosso decano e continua com o respeito de todos os seus pares”, diz um interlocutor do Supremo, sob a condição de anonimato.
“Independência”
Pelas redes sociais, Bia Kicis fez apelos para que seja ela a escolhida para presidir a comissão. Apesar de assumir seu alinhamento com o presidente da Câmara e não esconder sua admiração por Bolsonaro, a parlamentar afirma que, se for alçada ao cargo, vai atuar com independência. “Todos sabem das minhas convicções políticas. Se honrada com a confiança dos meus pares, minha atuação à frente da CCJ será pautada pela imparcialidade, diálogo, previsibilidade e respeito à Constituição Federal e ao regimento, com isenção em todos os projetos apresentados. Sigo a linha de Arthur Lira”, escreveu.
A constitucionalista Vera Chemim, mestre em direito público pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em STF, destaca que a CCJ precisa realizar um trabalho técnico e de neutralidade, tendo em vista que “essa comissão é a mais importante da Câmara, que se encarrega de avaliar projetos de lei antes de irem a plenário, decidir sobre a constitucionalidade de todos os projetos. Essa deputada não vai satisfazer essa condição, de presidir uma comissão desta natureza. Ela tem postura mais radical e agressiva, o que não é o perfil ideal para se presidir um colegiado técnico e que deve ser neutro”, afirma.
As relações do STF com o governo neste ano têm atenção especial por conta da aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello. Em junho, ao completar 75 anos de idade, o magistrado vai deixar a Corte. A escolha de um novo nome é do presidente Jair Bolsonaro, mas precisa passar pela chancela do Senado. Em razão disso, a eleição de Rodrigo Pacheco para o comando da Casa legislativa ganha atenção especial.
Pazuello
A pandemia do novo coronavírus trouxe consigo abalos na estrutura política, e criou pontos de atrito entre o Legislativo e o Executivo, e afetou o Judiciário, em razão da quantidade de ações que foram protocoladas sobre o tema no Supremo. De acordo com dados do Painel Covid-19 do STF, a Corte recebeu 6.946 ações relacionadas à covid-19, que resultaram em 8.120 decisões. Desse contingente, a maioria foi negada, sendo que apenas 393 foram deferidas, por meio de liminar ou no colegiado da Corte. Muitas das ações são apresentadas por partidos políticos.
Até agora, o ministro Ricardo Lewandowski tem sido o autor das decisões que geram impacto também no meio político. Ele estabeleceu o prazo de 72 horas para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) conceda autorização para importação e uso de insumos médicos, medicamentos e vacinas contra a covid-19 que já tenham sido registrados em pelo menos uma das agência reguladoras de Estados Unidos, Europa, Japão ou China. O magistrado também é o autor do despacho que manteve, por tempo indeterminado, a possibilidade de que governos dos estados, municípios e o governo federal decretem o fechamento do comércio, restrições de circulação nas cidades e a importação de insumos de maneira emergencial.
O ministro Luís Roberto Barroso, em outro processo, determinou que o governo federal instale barreiras sanitárias em comunidades indígenas e garanta o acesso dessa população aos serviços de saúde. Lewandowski também relata ações que acusam o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, de omissão no combate ao avanço da doença em Manaus e no Pará.
Para Vera Chemim, as novas configurações na Câmara e no Senado, pós-eleições, devem intensificar a judicialização da política. “Partindo do pressuposto de que o Arthur Lira vá assumir uma postura de alinhamento com a Presidência, nas pautas de costumes, como voto impresso e posse de armas, nós devemos observar um aumento das demandas dos partidos no Supremo. Isso deve ocorrer principalmente nos partidos políticos de oposição. Mas existe a possibilidade de que ele se mostre um líder político, e, de repente, se forma um consenso no próprio Congresso”, diz.