Em pouco mais de dois anos como presidente, Jair Bolsonaro conseguiu tecer uma rede de aliados na cúpula das principais instituições do país. O resultado das eleições para os comandos das duas Casas do Congresso, vencidas por parlamentares apoiados pelo Palácio do Planalto, foi a costura mais importante de um presidente constantemente preocupado em construir uma blindagem em torno de si.
A chegada de Arthur Lira (PP-AL) e de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) às presidências da Câmara e do Senado, respectivamente, reforçou sobremaneira a proteção de Bolsonaro contra possíveis consequências — políticas e jurídicas — de seus atos e de membros de sua família. Antes de conquistar a cúpula do Congresso, o presidente já havia conseguido posicionar aliados à frente de órgãos como a Procuradoria-Geral da República (PGR), a Polícia Federal (PF), a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e a Receita Federal.
A vitória de aliados no Congresso ocorre no momento em que aumentam as pressões para que a Câmara dê encaminhamento aos mais de 60 pedidos de impeachment protocolados contra o presidente, a maioria apontando o cometimento de crimes de responsabilidade durante a pandemia da covid-19.
A rede de proteção em torno de Bolsonaro vem se ampliando à medida que avançam investigações contra ele e seus filhos — o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). Enquanto o presidente é investigado, no Supremo Tribunal Federal (STF), por suspeita de interferência política na Polícia Federal, os filhos estão entre os alvos de inquéritos que apuram, na mesma Corte, a disseminação de fake news e o financiamento de atos antidemocráticos.
Rachadinha
Alçado ao posto de procurador-geral da República por Bolsonaro, Augusto Aras enfrenta uma avalanche de críticas, dentro e fora do Ministério Público Federal (MPF), por sua atuação à frente do órgão, considerada favorável aos interesses do presidente. O procurador tem tido a independência questionada desde que tomou posse, pois seu nome não constava da lista tríplice de indicados para o cargo, elaborada a partir de eleição interna da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR).
Depende de decisões de Aras, por exemplo, o desfecho da apuração sobre o uso da estrutura da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e da Receita Federal para orientar advogados de Flávio Bolsonaro. O parlamentar foi denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e apropriação indébita, no âmbito do caso Queiroz.
Sobre as denúncias envolvendo os dois órgãos federais, divulgadas pela revista Época, Aras disse que elas são “graves”, mas “ainda não foram provadas”. Além disso, o PGR pediu informações aos dois órgãos e convocou o repórter Guilherme Amado, autor da série de reportagens, para depor — o jornalista não compareceu. Até o momento, no entanto, o procurador-geral não tomou qualquer providência para ouvir Flávio Bolsonaro.
Agrado às polícias
Na busca para ampliar o círculo de aliados, o presidente também tem se aproximado de policiais de baixa patente. Desde antes da campanha presidencial de 2018, por exemplo, Bolsonaro participa de formaturas desses agentes em todo o país. Paralelamente, dentro dessa mesma estratégia, o Ministério da Justiça deu sinal verde às discussões para embasar dois projetos de lei que, se aprovados no Congresso, abrirão caminho para uma possível subordinação das corporações policiais à União.
A ideia é aproveitar brechas no texto constitucional, segundo o qual as polícias subordinam-se não só aos estados, mas também à União, pois são forças auxiliares do Exército. Segundo especialistas, caso o projeto discutido pelo ministério se torne lei, o Exército poderá, por exemplo, substituir o comandante da Polícia Militar de determinado estado. Governadores como João Doria (PSDB), de São Paulo, e Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, criticaram a proposta e disseram temer que ela atenda às ambições autoritárias do presidente.
Oposição enfraquecida
A vitória de Bolsonaro nas eleições recentes do Congresso Nacional, além de oferecer uma blindagem contra o impeachment, enfraquece a oposição. O caminho ficou mais difícil para adversários que pretendiam construir um polo de oposição de centro-direita com vistas às eleições de 2022. O racha entre o PSDB e o DEM na Câmara, por exemplo, praticamente inviabilizou a sobrevivência desse bloco.
Uma das principais dúvidas, no entanto, é sobre até quando o centrão, chefiado pelo deputado Arthur Lira, garantirá essa sustentação ao presidente. Colecionando vitórias desde as últimas eleições municipais, esse grupo deve aumentar o valor da fatura a ser cobrada, e não se sabe até quando o Planalto terá disposição e condições para pagá-la com mais verbas e espaço no governo.