O fim do sigilo de mensagens obtidas pela Operação Spoofing reacendeu a discussão sobre a postura do ex-juiz Sergio Moro nas ações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É que, para o Partido dos Trabalhadores (PT), as mensagens publicadas a partir desta decisão "reafirmam o conluio" entre Moro e os procuradores da Lava-Jato. Moro, no entanto, diz que agiu com "correção e imparcialidade" nos julgamentos, e não reconhece a veracidade das mensagens.
A publicação de novas mensagens da Operação Spoofing, que investigou a invasão hacker a celulares de autoridades como o ex-ministro Sergio Moro ocorreu nesta segunda-feira (1º/2), após o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), levantar o sigilo das conversas. A decisão de Lewandowski ocorreu no âmbito de reclamação apresentada pela defesa de Lula, que já havia obtido acesso às mensagens e pretende usar as conversas para mostrar que Moro teria agido de forma parcial nos julgamentos que levaram à condenação e à prisão do ex-presidente.
Ao todo, 50 páginas de conversas entre Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol e em grupos de procuradores da Lava-Jato, ao longo dos anos de 2015, 2016 e 2017, viram à tona nesta segunda-feira. As mensagens mostram os procuradores acertando detalhes das ações da Lava Jato, mas também trocas de informações e consultas realizadas entre Moro e Dallagnol.
Em dezembro de 2016, por exemplo, Dallagnol diz a Moro que a força-tarefa estava protocolando a denúncia contra Lula. Moro responde dizendo "um bom dia afinal". Antes disso, em agosto, o ex-juiz havia questionado ao procurador se a força-tarefa já não estava há muito tempo sem operações. Veja a íntegra das conversas aqui ou leia abaixo.
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Em nota, o PT afirmou que "os diálogos reafirmam o conluio e fraude jurídica praticada pelo juiz Sergio Moro e pelo procurador Deltan Dallagnol à frente da operação Lava-Jato para condenar o ex-presidente Lula". Para membros do partido, as mensagens indicam que Lula foi condenado injustamente e, por isso, poderia ter a condenação anulada, o que abriria caminho para uma nova candidatura do petista. Lula e o seu advogado, Cristiano Zanin, contudo, ainda não comentaram a questão.
O Ministério Público Federal do Paraná também não se posicionou. Já o ex-ministro Sergio Moro publicou nas redes sociais uma extensa nota "sobre as supostas mensagens obtidas por meios criminosos nas incessantes tentativas de anular condenações por crimes de corrupção". No material, ele diz não reconhecer a autenticidade das conversas e frisa que "as referidas mensagens, se verdadeiras, teriam sido obtidas por meios criminosos, por hackers, de celulares de procuradores da República, sendo, portanto, de se lamentar a sua utilização para qualquer propósito, ignorando a origem ilícita".
Moro ainda afirmou que "nenhuma das supostas mensagens retrata fraude processual, incriminação indevida de algum inocente, antecipação de julgamento, qualquer ato ilegal ou reprovável ou mesmo conluio para incriminar alguém ou para qualquer finalidade ilegal". E alegou que "interações entre juízes, procuradores e advogados são comuns em nossa praxe jurídica, não havendo nada de ilícito, por exemplo, em perguntar sobre conteúdo de denúncia, na solicitação para manifestação com urgência em processos, inclusive para decidir sobre pedidos de liberdade provisória, ou no encaminhamento de notícia de crime ao MPF".
Por fim, o ex-juiz afirmou ter atuado com "correção e imparcialidade" na Lava-Jato. "Todos os processos julgados na Lava-Jato foram decididos com correção e imparcialidade, tendo havido inclusive indeferimentos de vários pedidos da PF e do MPF e diversas absolvições (21% dos acusados foram absolvidos), com a grande maioria das condenações, inclusive do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mantidas pelas Cortes de Apelação e Tribunais Superiores", disse Moro, em nota.
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Especialistas
As novas conversas também dividiram especialistas, com questionamentos sobre a conduta do ex-juiz e dos procuradores e sobre a licitude das mensagens.
O professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), Alexandre Bernardino Costa, por exemplo, lembrou que juízes devem agir de forma imparcial e que o Ministério Público deve ser o fiscal da lei. Diante disso, avaliou que as mensagens sugerem que Moro assumiu protagonismo na condução das provas e que os procuradores da Lava Jato misturaram interesses profissionais e pessoais na condução dos processos da Lava-Jato.
Costa acredita, então, que a defesa de Lula pode usar o material para questionar a condenação do ex-presidente. "É uma coisa grave essa relação do Ministério Público com a magistratura e a condução parcial dos processos, com interesses políticos velados", avaliou.
Por outro lado, a constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Vera Chemin, disse que não viu nada comprometedor nas mensagens. Ela argumentou que a partir do momento que se tem um bom relacionamento com a outra parte, é natural pedir para agilizar um processo.
Vera ainda foi categórica ao dizer que, independentemente do teor, essas mensagens não poderiam ser usadas como prova em um processo, já que foram obtidas por hackers. "Do ponto de vista constitucional e legal, é inadmissível que provas obtidas por meios ilícitos sejam usadas nos processos. Esse tipo de prova não pode ser admitida em um processo penal, pois trata-se de uma prova ilícita e não se pode usar provas ilícitas para condenar ou anular nada", afirmou Vera, citando os artigos 5º da Constituição e 157 do Código de Processo Penal.