O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) informou que vai analisar, por meio da Procuradoria-Geral de Justiça, "as medidas que poderão ser adotadas" após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anular as quebras de sigilo bancário e fiscal do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no caso das "rachadinhas" (desvio de salário de servidores) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), na época em que ele era deputado estadual.
O órgão estadual afirmou que vai se manifestar nos prazos e nos tribunais competentes. "O julgamento no STJ ainda não foi concluído e a decisão que conduziu o voto da maioria para determinar a anulação está relacionada à falta de fundamentação da decisão que decretou a quebra de sigilo", pontuou em nota. Por 4 votos a 1, os magistrados entenderam que houve falha na fundamentação da decisão judicial que determinou a quebra de sigilo.
A decisão, de abril de 2019, é do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), e atingiu Flávio Bolsonaro e outras 94 pessoas. O relator, ministro Felix Fischer, já havia negado os recursos da defesa do senador e manteve o entendimento de que a quebra foi justificada, mas foi voto vencido. O ministro João Otávio de Noronha, por exemplo, criticou a decisão, dizendo que o magistrado afastou o sigilo de 95 pessoas "numa decisão de duas linhas". Itabaiana, entretanto, deu uma segunda decisão, mais fundamentada, mas ainda assim os ministros avaliaram a falta de fundamentação.
Com a definição, muito da investigação fica em jogo. Na próxima semana, os ministros ainda vão analisar dois recursos da defesa de Flávio também importantes ao processo, sendo um deles que questiona relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). A investigação teve início com base justamente após dados do Coaf apontarem movimentações suspeitas do ex-assessor de Flávio, Fabrício Queiroz, preso no ano passado em um imóvel do então advogado de Flávio, Frederick Wassef, que protocolou o recurso analisado na terça-feira (23/2) pelo STJ e que participou do julgamento.
O ministro Noronha, inclusive, antecipou seu voto, dizendo considerar que o Coaf divulgou dados sigilosos e "compartilhou com o Ministério Público detalhes das operações que associada à forma da condução de investigação acabaram por promover indevida intromissão na intimidade e privacidade dos correntistas ou depositantes de valores".
Advogado de seis pessoas (dois chefes de gabinete e quatro servidores da Alerj) que estão no processo das rachadinhas (que foi desmembrado do Flávio), James Walker, que é presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim), avalia que pela decisão de terça, o que se desenha é uma definição no mesmo sentido, pela nulidade dos relatórios do Coaf. O advogado pontua que, uma vez declarada a ilegalidade das provas colhidas, elas não podem mais ser usadas no processo e contaminam todas as outras provas geradas com base naquelas. "É a teoria da árvore dos frutos envenenados", disse.
Continuam valendo as provas geradas que não esbarram naquelas coletadas com a quebra de sigilo fiscal e bancário dos investigados. Mas elas também estão ameaçadas, uma vez que a Quinta Turma também analisa na próxima semana um recurso da defesa de Flávio relativa à validade das decisões de Itabaiana. O recurso foi protocolado após o entendimento, de junho do ano passado, de que o caso não poderia ficar na 1ª instância.
A decisão é da 3ª Câmara Criminal do TJ, que decidiu que o senador tem foro privilegiado no caso, e o processo foi para o Órgão Especial do TJ-RJ, sob a alegação de que o senador era deputado estadual na época em que os fatos denunciados pelo MP ocorreram.
Na época que decidiram que Flávio tinha foro no caso, os desembargadores decidiram pela validade das decisões de Itabaiana, e o recurso está agora no STJ. Se o senador tiver decisão favorável, tudo o que foi decidido pelo juiz deixa de valer - ele atuou em toda a condução da fase de investigação. Ou seja, provas obtidas por meio de buscas e apreensões autorizadas por Itabaiana não servirão mais ao processo. “Se isso acontecer, aí o processo praticamente acabou, e volta-se à estaca zero no Órgão Especial”, comentou o advogado James Walker.
Entretanto, o MP, como já apontado pelo próprio órgão, poderá atuar para tentar reverter as decisões no plenário do STJ, e ainda recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) caso não obtenha êxito. Especialista em direito constitucional, Vera Chemim afirmou que além da opção de interpor recurso, o MP poderia começar do zero a captação de prova e investigação, embora com grande prejuízo. “Seria adotar uma estratégia de recuo. Voltar para a fase inicial do processo”, afirmou.
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