A retomada do pagamento do auxílio emergencial pode atrasar ainda mais, em razão da polêmica em torno da proposta de desvinculação de gastos com saúde e educação, constante do parecer do relator da PEC Emergencial, do senador Márcio Bittar (MDB-AC). Líderes de diferentes partidos, incluindo os de centro e de esquerda, dizem que a manutenção desse ponto no texto vai inviabilizar um acordo para a votação da PEC em dois turnos no Senado, na quinta-feira (25/2), frustrando os planos do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
A polêmica começou depois que Márcio Bittar apresentou seu parecer a líderes partidários, na segunda-feira. O texto propõe um protocolo de responsabilidade fiscal e uma “cláusula de calamidade” para que o governo possa manter o pagamento do auxílio emergencial sem ultrapassar o teto de gastos. Para garantir os recursos necessários à concessão do benefício, o relator incluiu no texto a proposta de desvinculação das receitas previstas na Lei Orçamentária para saúde e educação. Dessa forma, seriam revogados os dispositivos da Constituição que garantem o percentual de repasse mínimo para essas duas áreas, o que obrigaria o Congresso a defini-los a cada ano.
Atualmente, os estados e o Distrito Federal têm de destinar 12% das receitas com impostos às ações de saúde. Os municípios precisam aplicar o equivalente a 15%. Na União, esse índice também era de 15% da receita corrente líquida até 2017, quando o piso passou a ser atualizado pela inflação. No caso da educação, o mínimo é de 25% das receitas com impostos para estados e municípios. Na União, o piso era de 18% até 2017, quando o valor passou a ser atualizado pela inflação.
Aval dos presidentes da Câmara e do Senado
As mudanças no texto da PEC Emergencial (PEC 186/2019) ocorrem no momento em que o presidente Jair Bolsonaro tem demonstrado a interlocutores um descontentamento com o trabalho da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobretudo com o atraso na definição dos recursos que vão bancar o auxílio emergencial. O parecer de Bittar tem o aval do próprio ministro e dos presidentes da Câmara Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Parlamentares que se opõem à proposta de desvinculação dos gastos com saúde e educação criticam esse dispositivo devido ao avanço da pandemia da covid-19 no país e à recente promulgação, em 28 de dezembro, da Emenda Constitucional que torna permanente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e aumenta a participação na composição dos seus recursos.
"Nos últimos 90 anos, o Brasil desvinculou Saúde e Educação duas vezes (1937 e 1967), ambas sob imposição de constituições ditatoriais. Os recursos da Educação e da Saúde devem ser vinculados, não pode favorecer um em prejuízo do outro. Não vamos aceitar isso na PEC Emergencial", avisou Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado, nas redes sociais. O parlamentar acrescentou que "isso destruiria o Novo Fundeb, que foi conquistado a duras penas nessa legislatura, não só pelo Parlamento, mas pelos movimentos sociais e pela participação direta do povo".
Já o líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas (DF), disse que "não haverá acordo para aprovar a PEC se a desvinculação for mantida" no texto. "O relator vai ter que mudar o parecer, porque, do jeito que está, não tem acordo", disse o senador ao Correio. "Qualquer partido aqui é contrário a isso. Nós acabamos de aprovar o Fundeb agora, aprovamos por unanimidade, agora em dezembro. Nem botaram o Fundeb para funcionar e já querem revogar tudo o que levamos 10 anos para aprovar? Eles vão ter que tirar esse dispositivo, não tem como aprovar (a PEC Emergencial) com isso. Vão ter que alterar, não tem jeito", acrescentou Izalci.
Ex-ministro da Saúde, o senador Humberto Costa (PT-PE) acusa o governo de fazer uma "chantagem" ao condicionar o pagamento do auxílio emergencial à desvinculação de receitas da saúde e da educação. "Eu entendo que esse relatório apresentado representa uma verdadeira chantagem contra o Congresso Nacional e contra a população. Ou seja, localizam uma questão que é grave, é urgente, que precisa ser resolvida imediatamente, que é a necessidade de garantir à população um auxílio emergencial e, por outro lado, condicionam isso que deve ser considerado um direito da população à retirada de recursos de áreas que são extremamente importantes, a saúde e a educação", afirmou o senador à reportagem.
Ele também criticou o fato de a proposta ser apresentada "especialmente no momento que nós vivemos hoje, com o colapso do sistema público de saúde, com a precariedade do sistema educacional brasileiro". Segundo ele, "tentar retirar a exigência de um gasto mínimo por parte do governo federal e dos estados e dos municípios em saúde e em educação é, de fato, condenar o nosso país ao atraso e a sua população à continuidade do seu sofrimento".
Acordo entre lideranças
Na segunda-feira, o senador Rodrigo Pacheco disse que o Senado poderá votar a PEC Emergencial (PEC 186/2019) em dois turnos na quinta-feira. Para isso, segundo ele, seria necessário um acordo entre as lideranças. Além de assegurar haver um clima entre os senadores para esse arranjo, Pacheco ressaltou que, com a aprovação da proposta em dois turnos na quinta-feira, o governo já poderia iniciar o pagamento do auxílio emergencial, uma vez que há acordo para a aprovação da matéria na Câmara.
Nesta terça-feira, o presidente da Câmara, Arthur Lira, defendeu, durante uma live do jornal Valor Econômico, a desvinculação dos orçamentos da educação e da saúde e disse que se o assunto não for enfrentado no Senado, poderá ser debatido pelos deputados, mesmo que o texto tenha que voltar aos senadores para validação das mudanças. Ele assumiu, porém, que não sabe se a medida passará, mesmo na Câmara. Questionado, Lira não soube defender a desvinculação em relação ao risco de a medida prejudicar ou até inviabilizar o Fundeb.
"Eu não entendo de educação, mas sei quando uma coisa está boa ou ruim. Seria o Congresso o responsável por rever isso com coragem. E a vontade de trazer a discussão às claras, em uma PEC, vamos fazer. Se o Senado fizer, ótimo. Se não, nós faremos. É ruim, mas volta para o Senado rapidamente", disse o presidente da Câmara.
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