O senador Marcio Bittar (MDB-AC) pode não ter calculado bem a desidratação da PEC (proposta de emenda à Constituição) Emergencial. Embora tenha retirado do texto a possibilidade de o governo reduzir o salário e a carga horária dos servidores públicos como uma fonte de ajuste fiscal, por exemplo, decidiu desvincular as verbas da educação e da saúde, inviabilizando, por exemplo, a emenda constitucional do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), sancionada em 28 de dezembro. Apesar de contar com o apoio do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-RJ), a medida é criticada por partidos de esquerda e de direita.
“Sou simpático à ideia de termos um Orçamento que permita a um gestor público, dentro de um mínimo unificado de educação e saúde, destinar verba para essas áreas a depender da necessidade do ente federado, no caso concreto”, afirmou Pacheco. “A desvinculação, a partir desses critérios, preservando investimento em educação e saúde, pode ser um caminho de meio-termo interessante, permitindo uma flexibilização dos gastos de acordo com cada ente federado”, acrescentou.
O líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas (PSDB-DF), no entanto, criticou a iniciativa. “Acho muito ruim. Neste momento, vai ter muita dificuldade, muita resistência. Acabamos de aprovar o Fundeb para buscar mais recursos para a educação, ampliar até 2026. Vem uma emenda e muda tudo isso? Se fizer a desvinculação, a educação vai voltar para um valor irrisório. Vão jogar tudo na saúde e, depois, (o dinheiro) não retorna. Desindexar é reduzir”, frisou. O senador Paulo paim (PT-RS) também reprovou. “Um absurdo. Teremos mais pobreza e desigualdade social. Esses direitos são fundamentais para o bem-estar, o crescimento e o desenvolvimento do país”, postou no Twitter.
Em nota, o Todos Pela Educação alertou para os riscos de desvincular a verba do setor. “A PEC revoga trechos do artigo 212 da Constituição Federal, que extinguem a subvinculação dos recursos destinados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino para União, estados e municípios (Inciso IV do Art. 4º da PEC)”, alertou a organização da sociedade civil. “Tal medida muda completamente o contexto orçamentário da educação brasileira. A desvinculação, além de potencialmente levar a uma redução substancial dos gastos públicos com educação, inviabilizará a implementação do Fundeb, mecanismo de redistribuição dos recursos vinculados à educação.”
De acordo com a presidente executiva da entidade, Priscila Cruz, não era esperado que o tema viesse à tona na PEC Emergencial “de forma tão intensa e tão rápida”, após a aprovação do Fundeb. “Votar como está no relatório é enterrar o Fundeb. Todo o trabalho de modelagem de uma política que é exemplo para o resto do mundo, todo esforço será enterrado se houver essa revogação do artigo 212 (da Constituição)”, enfatizou. “O que eles estão querendo realmente? O que eu acho que tentam fazer é jogar um obstáculo bem alto para chegar a um meio-termo, que é a união dos pisos para educação e saúde. Uma medida extremamente oportunista.”
Economista e fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco disse ser perigoso debater a PEC “de forma açodada”. “O fim dos percentuais mínimos constitucionais para saúde e educação precisa ser analisado com cautela. Os municípios, atualmente, já gastam, em geral, mais do que os mínimos. Se diminuírem os repasses da União e dos estados, as dificuldades na ponta vão aumentar”, afirmou. “Na essência, a tese da desvinculação existe há anos, há vários governos, e é correta. Na prática e na forma, é necessário que seja avaliada com cautela, notadamente, em época de pandemia”, avisou. (Colaborou Fernanda Strickland, estagiária sob a supervisão de Cida Barbosa)
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Períodos autoritários
Desde a década de 1930, quando a Constituição passou a prever um percentual de aplicação mínima na educação, o piso deixou de existir apenas em períodos autoritários: durante o Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1946) e no período de 1967 a 1988, sob a Carta outorgada pelo Regime Militar. Já a vinculação da saúde foi incluída na atual Constituição, vigente há mais de 30 anos.
Percentuais nos dois setores
Atualmente, os estados e o Distrito Federal têm de destinar 12% das receitas com impostos às ações de saúde. Os municípios precisam aplicar o equivalente a 15%. Na União, esse índice também era de 15% da receita corrente líquida até 2017, quando o piso passou a ser atualizado pela inflação. No caso da educação, o mínimo é de 25% das receitas com impostos para estados e municípios. Na União, o piso era de 18% até 2017, quando o valor passou a ser atualizado pela inflação.
Disputa por verbas
Caso a desindexação de recursos seja aprovada pelo Congresso, os parlamentares federais, estaduais e municipais terão de decidir, ano a ano, qual será o montante de recursos destinado à educação e à saúde, disputando com outras demandas dentro do Orçamento.
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