O novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, recebeu um dossiê polêmico preparado por organizações não-governamentais (ONGs) e especialistas de grandes universidades dos EUA sugerindo o congelamento de acordos, negociações e alianças com o governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
O documento de 31 páginas, vazado ontem pela BBC — e ao qual o Correio teve acesso — começou a ser entregue, na manhã desta terça-feira (04/02), para várias autoridades norte-americanas. O dossiê, denominado "Recomendações sobre o Brasil ao presidente Biden e ao novo governo”, faz sugestões ao democrata sobre 10 assuntos específicos, apontando retrocessos da gestão Bolsonaro em áreas como defesa dos direitos humanos, relações trabalhistas, defesa dos povos indígenas e meio ambiente.
“O presidente Jair Bolsonaro vem implementando políticas que causam danos contínuos às pessoas e ao meio ambiente no Brasil e, consequentemente, à região e ao mundo”, destacou o dossiê preparado pela Rede nos Estados Unidos pela Democracia no Brasil (U.S Network for Democracy in Brazil - USNDB). A Rede é integrada por mais de 1.500 pessoas, em 234 faculdades e universidades de 45 estados dos Estados Unidos.
As recomendações foram elaboradas por especialistas que integram ONGs ou lecionam em diversas universidades renomadas dos EUA, como Harvard, Stanford, Yale e Brown. “É imprescindível que os Estados Unidos priorizem o respeito aos direitos humanos e civis e o Estado de Direito em suas relações com o Brasil”, defendeu o documento que critica o fato de Bolsonaro dar apoio público à brutalidade policial, “que afeta majoritariamente cidadãos de baixa renda, incluindo a população negra”.
Conforme o relatório, Bolsonaro teve graves problemas em sua gestão da pandemia da covid19, “levando a milhares de mortes desnecessárias, falhando na criação de um plano de vacinação e permitindo que o sentimento anti vacina se disseminasse na população”. O documento demonstra preocupação, inclusive, com o desmantelamento do Sistema Único de Saúde (SUS).
Na economia, o dossiê destaca que a administração Bolsonaro-Mourão planeja retomar o modelo de privatização e austeridade, "jogando milhares de cidadãos comuns de volta a condições precárias de vida e sem uma rede de segurança social". “A administração Biden-Harris tem a oportunidade de reverter as políticas internas e constituir exemplo de como gastos sociais robustos, ao invés de uma redução combinada de esforços estatais, pode e deve ser usada para impulsionar a recuperação em todo o mundo. Isso irá dificultar os esforços de políticos brasileiros para justificar os cortes de bem-estar social e outros gastos cruciais sob os auspícios das necessidades do mercado”, adicionou.
Guedes, o "tecnocrata"
Bolsonaro tem implementado uma política econômica conservadora, comprometida com a redução do tamanho e dos custos do governo e que tenta atrair investimentos externos. "A atual administração é uma continuação da virada neoliberal conduzida pelo então presidente Michel Temer (2016-18) após a deposição da presidente Dilma Rousseff, em 2016", destaca o texto, que define o ministro da Economia, Paulo Guedes, como “um tecnocrata comprometido com o livre mercado e discípulo de Milton Friedman”, que trabalhou na ditadura de Augusto Pinochet.
Apesar de a reforma da Previdência ser produto da austeridade econômica do governo Bolsonaro, o estudo ainda considera que a mudança promovida por ele e Guedes é “um nítido retrocesso e irá dificultar que trabalhadores pobres possam garantir uma aposentadoria digna”.
“As políticas econômicas rígidas de Guedes têm sido, por vezes, um ponto de tensão com as inclinações ideológicas amorfas de Bolsonaro”, acrescenta o texto, citando que o financiamento do benefício que rendeu popularidade ao presidente. “A ironia é que o governo Bolsonaro foi o primeiro a se opor à resolução que criou os pagamentos emergenciais”, acrescentou.
Procurados, o Palácio do Planalto e o Itamaraty ainda não comentaram o assunto.
Veja os 10 temas tratados pelo dossiê:
DEMOCRACIA E ESTADO DE DIREITO
Bolsonaro vem continuamente desprezando práticas democráticas que garantem eleições justas e
independentes e a separação e equilíbrio de poderes no governo;
DIREITOS INDÍGENAS, MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESMATAMENTO (p. 8)
Bolsonaro foi incapaz de implementar proteções ambientais, levando a um aumento no desmatamento na
floresta Amazônica e incêndios na savana central brasileira (Cerrado) e na maior área alagável tropical do
mundo (Pantanal), para beneficiar grandes proprietários de terras e corporações em detrimento dos direitos
constitucionalmente garantidos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais;
POLÍTICA ECONÔMICA
Bolsonaro reduziu gastos públicos e implementou medidas de austeridade que aumentaram a desigualdade, afetando programas de bem-estar social e segurança alimentar;
CENTRO DE LANÇAMENTO DE ALCÂNTARA E AUXÍLIO MILITAR DOS EUA
Bolsonaro sancionou a remoção forçada de 800 famílias afro-brasileiros de seus territórios
constitucionalmente garantidos, nos arredores do Centro de Lançamento de Alcântara, no estado do
Maranhão, após a assinatura do Acordo de Proteção de Tecnologia entre o Brasil e os Estados Unidos;
DIREITOS HUMANOS: GRUPOS HISTORICAMENTE MARGINALIZADOS
Bolsonaro tem agravado a situação de grupos marginalizados, afro-brasileiros, povos indígenas, pessoas
LGBTQI+, mulheres e movimentos sociais, através de ações que vão da retórica hostil à violência cometida
abertamente e apoiada pelo Estado brasileiro;
VIOLÊNCIA ESTATAL E BRUTALIDADE POLICIAL
Bolsonaro deu apoio público e tácito à brutalidade policial, que afeta majoritariamente cidadãos de baixa
renda, incluindo a população negra;
SISTEMA DE SAÚDE PUBLICA
Bolsonaro tem trabalhado para desmantelar e cortar o financiamento do sistema de saúde pública brasileiro (SUS), fazendo com que seja quase impossível para famílias de baixa renda terem acesso a cuidados e buscar tratamentos;
COVID-19
Bolsonaro teve graves problemas em sua gestão da pandemia de COVID-19, levando a milhares de mortes
desnecessárias, falhando na criação de um plano de vacinação e permitindo que o sentimento antivacina se disseminasse na população;
LIBERDADE RELIGIOSA
Bolsonaro atacou a pluralidade e a liberdade religiosa, promovendo uma agenda conservadora que incentiva a eliminação de programas de educação sexual em escolas e a discriminação aberta contra praticantes de religiões afro-brasileiras. O Brasil é um Estado laico desde 1890;
TRABALHO
Bolsonaro desmantelou proteções trabalhistas e enfraqueceu sindicatos em favor de um crescimento
econômico insustentável e desigual, destruindo proteções trabalhistas e contribuindo com um padrão de
práticas laborais injustas.
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