O presidente Jair Bolsonaro tem tudo para se sair vencedor, hoje, caso consiga fazer seus candidatos nas eleições do Congresso – Arthur Lira (PP-AL) na Câmara e Rodrigo Pacheco (DEM -MG) no Senado – e redimir-se como cabo eleitoral. Explica-se: no pleito municipal, de novembro passado, todos aqueles que foram apoiados por ele colheram fragorosas derrotas, o que serviu para reequilibrar as forças de centro-direita e direita, até aquele momento atuando apenas reativamente à agenda de extrema direita que o presidente e seus apoiadores vinham tentando impor. Com a rearrumação no campo conservador e liberal, Bolsonaro percebeu que a correlação de forças mudara e que era preciso trazê-las para perto. E não poupou esforços para tal.
O resultado disso pode vir logo mais, com Lira e Pacheco possivelmente vencedores. Afinal, o presidente conseguiu convencer até que rivais convergissem na mesma direção, sobretudo na disputa pelo comando da Câmara. Com reuniões no Palácio da Alvorada e no Palácio do Planalto, ou por meio de muita saliva gasta em ligações telefônicas, Bolsonaro aparentemente virou o jogo a favor do cacique do Centrão.
No fim de 2020, o principal concorrente de Lira na disputa, Baleia Rossi (MDB-SP), comemorava o apoio formal de 11 siglas (DEM, MDB, PSDB, PSL, Cidadania, PV, PT, PSB, PDT, Rede e PCdoB). Agora, contudo, diante do jogo pesado de Bolsonaro e seu fiel ponta de lança na articulação política –– além de companheiro de passeios de motocicleta ––, o general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, as legendas estão rachadas. Por mais que o ainda presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), esperneie e se esforce para aglutinar seu partido em torno de Baleia, é certo que nem todos os 29 deputados do DEM votarão no emedebista.
Votos declarados
Lira conta com os votos abertos, por exemplo, dos baianos Elmar Nascimento, Arthur Maia, Paulo Azi (que é vice-líder do governo na Câmara), Igor Kannário e Leur Lomanto Junior. “A gente olha daqui para frente, no que é melhor para o país neste instante, que é uma Câmara que seja independente — e quem conhece a história de vida do Arthur sabe que ele é independente, a despeito do que estejam falando —, mas que tenha harmonia com os outros poderes. É um momento que precisa de muita união para o país”, frisou Nascimento.
Bolsonaro, porém, não quis correr o risco da soberba, do já ganhou. Para serem seus olhos, ouvidos e, sobretudo, bocas, hoje, nos bastidores da Câmara, exonerou temporariamente os ministros Onyx Lorenzoni (Cidadania) e Tereza Cristina (Agricultura, Pecuária e Abastecimento), deputados eleitos pelo DEM, para participar da eleição. Ambos são veteranos na Casa, conhecem os meandros, o tom de voz que se usa nas negociações e até onde se pode ir.
Mas a ação palaciana não foi percebia somente no racha no DEM. O PSL também foi alvo da ação do presidente, ao conseguir que desembarcasse da candidatura de Baleia. Um dos principais redutos bolsonaristas no Congresso, o partido do qual Bolsonaro fez parte até 2019, anunciou o apoio oficial a Lira há pouco mais de uma semana, e já aposta que pelo menos 50 dos 52 deputados da legenda estarão do lado do candidato do governo.
“O PSL está consolidado e isso vai ser muito bom para o país, e para reformas que ficaram paradas na presidência atual, que muito prejudicou o país”, afirmou o deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), ex-líder do governo na Casa.
Emendas
A campanha de Bolsonaro por Lira e pelo senador Rodrigo Pacheco não passou apenas pela boca do caixa – segundo reportagem do jornal O Estado de S.Paulo, liberou R$ 3 bilhões para 250 deputados e 35 senadores usarem em emendas para obras nos seus estados. O presidente também retaliou parlamentares apoiadores de Baleia e Simone Tebet (MDB-MS) que mantém afilhados em cargos na administração federal. Dos casos mais que exemplificam essa ação são os dos deputados, como Fabio Reis (MDB-SE) e Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ): pessoas indicadas por eles para postos no Executivo foram exoneradas nas últimas semanas depois de os dois anunciarem que votariam em Baleia. Isso que dizer ainda que, depois das fraturas no DEM e no PSL, o MDB (que tem 33 deputados) e o PSDB (com 31) também estão sendo trabalhados para, hoje, se dividirem. E entregarem parte dos votos a Lira, ou melhor, a Bolsonaro.
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Possibilidade de interferir na pauta do Legislativo
Caso consiga sagrar-se indiretamente vencedor ao conseguir eleger Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) comandantes da Câmara e do Senado, respectivamente, Jair Bolsonaro pode frear os ímpetos para a deflagração de um processo de impeachment — ontem, hove várias manifestações pedindo a saída do presidente, algumas, como a de Brasília, com performances remetendo às mortes por asfrixia em Manaus.
Além disso, Bolsonaro terá o caminho aberto para tentar destravar as reformas administrativa e tributária e, sobretudo, dar andamento às pautas de costumes, que acalenta com carinho para manter sua base mais fiel unida. Com o obstáculo representado por Rodrigo Maia fora do caminho, crescerá a pressão para que temas como o voto impresso, o excludente de ilicitude, a mineração em terras indígenas e a flexibilização à posse e ao porte de armas de fogo sejam discutidos com a importância que os bolsonaristas desejam.
Mas também está na lista de prioridades do Palácio do Planalto realizar mudanças em programas sociais já existentes, como o Bolsa Família, uma vez que o governo não conseguiu tirar do papel o Renda Brasil e não teve forças para estender o pagamento do auxílio emergencial, que encerrou-se em 30 de dezembro. Apesar de afirmar que o benefício que foi pago, no ano passado, por causa da pandemia do novo coronavírus não voltará, Bolsonaro sabe que será pressionado pelo Congresso a adotar algo semelhante como forma de debelar o desemprego e a perda de renda previstas para o brasileiro neste ano. Afinal, apesar de ser ruim para as contas públicas, é ótimo para a popularidade do presidente e dos parlamentares.
“Temas de interesse de Bolsonaro poderão ter maiores possibilidades de serem debatidos e aprovados caso Lira vença. Na hipótese de vitória dos aliados do governo federal, as reformas serão, em tese, agilizadas, o que garantiria um alicerce para a retomada do desenvolvimento econômico”, observou Vera Chemim, constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela Fundação Getulio Vargas (FGV).
Zona de conforto
Já na avaliação do cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando, o elemento fundamental da disputa é a alavancagem das pautas ideológicas. “É muito mais trazer à tona a pauta dos costumes do que a discussão de um consenso em torno das reformas que o país necessita. Para ele, é mais importante porque mantém sua base fiel coesa e ativa. É a zona de conforto, que dá a ele os 30% de apoio que tem até o momento”, observou.
Caso o Planalto saia vitorioso em suas apostas, Bolsonaro terá como tarefa urgente a reacomodação da sua base –– apesar de, no último sábado, ter afirmado que não fará reforma ministerial ou recriação de ministérios. Prando, porém, alerta para os novos aliados do presidente. “Precisa tomar cuidado com o Centrão, que não costuma ser confiável. Se a temperatura do impeachment subir e a aprovação do governo cair, o grupo pula fora, assim como já fez com Dilma Rousseff, em 2016. Apenas nomeações não garantem lealdade. Não há, entre Bolsonaro e o Centrão, uma afinidade pautada num projeto para o país”, apontou. (AF e IS)