Diante da disputa pelos comandos da Câmara e do Senado, o governo abriu o cofre e destinou R$ 3 bilhões para 250 deputados e 35 senadores aplicarem em obras em seus redutos eleitorais. O dinheiro saiu do Ministério do Desenvolvimento Regional. O Estadão teve acesso a uma planilha interna de controle de verbas, até então sigilosa, com os nomes dos parlamentares contemplados com os recursos "extras", que vão além dos que eles já têm direito de indicar.
A oferta de recursos foi feita no gabinete do ministro Luiz Eduardo Ramos. A Secretaria de Governo, que o general comanda, virou o "QG" das candidaturas dos governistas Arthur Lira (Progressistas-AL), que disputa o comando da Câmara, e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que concorre no Senado.
Na quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro disse que "se Deus quiser" vai "participar e influir na presidência da Câmara", com a eleição de Lira para a vaga ocupada hoje por seu adversário Rodrigo Maia (DEM-RJ). Além de verbas, o governo também tem oferecido cargos a quem aceite votar nos dois nomes do governo, segundo relatos de parlamentares.
Dos 221 deputados que já declararam apoio a Lira, conforme placar do Estadão, 131 nomes estão na planilha do governo. Ao todo, 41 dos parlamentares estiveram em ao menos uma reunião no Planalto com Ramos desde dezembro, quando começaram as campanhas nas Casas. Na comparação com o placar da disputa no Senado, dos 33 votos declarados para Pacheco, 22 senadores aparecem na relação do governo.
A planilha, informal e sem timbre, inclui repasses de recursos do Orçamento da União que não são rastreáveis por mecanismos públicos de transparência. São os chamados "recursos extraorçamentários", no linguajar do Congresso (mais informações na pág. A8). Neste tipo de negociação, os valores são repassados a prefeitos indicados por deputados ou senadores sem que o nome do político fique carimbado, como ocorre na emenda parlamentar tradicional. Desta forma, se houver irregularidade na aplicação dos recursos, não é possível saber se há algum envolvimento do parlamentar que distribuiu a verba para determinada obra.
Na condição de líder do Progressistas, Lira foi contemplado com R$ 109,5 milhões para serem distribuídos a projetos indicados por seus colegas de partido. Ele repassou outros R$ 5 milhões para obras de pavimentação e drenagem de ruas no município de Barra de São Miguel (AL), onde seu pai, Benedito Lira, é prefeito. Procurado pela reportagem, o deputado não quis responder às perguntas relacionadas à planilha.
A Casa Civil também foi questionada se Bolsonaro tem conhecimento da planilha. A pasta se limitou a dizer que, "sobre este tema, a reportagem deveria procurar a Secretaria de Governo", chefiada por Ramos. O ministro afirmou que as planilhas não são da sua pasta. "Não está havendo nenhuma conversa relativa a negociação de voto. Seria até ofensivo, de minha parte, negociar voto em troca de cargos e emendas", disse o general.
Rodrigo Maia afirmou ter ligado para o ministro, na terça-feira, para reclamar da interferência do Planalto na disputa e admitiu ter se exaltado na conversa. "É uma interferência que terá sequelas", disse o presidente da Câmara. A liberação de verba em troca de votos é uma prática comum do presidencialismo de coalizão, mas Bolsonaro se elegeu prometendo acabar com essa prática do "toma lá, dá cá".
'Balcão'
Ter aliados nos comandos da Câmara e do Senado é considerado determinante nos planos de reeleição do presidente Bolsonaro em 2022. A intenção é impor sua agenda ideológica nos dois últimos anos de mandato e, como mostrou ontem o Estadão, também barrar eventuais CPIs que mirem o governo, seus filhos e apoiadores e o avanço de pedidos de impeachment.
Os recursos comprometidos pelo "balcão de negócios" do Planalto saíram das conversas entre Ramos, articulador político de Bolsonaro, e congressistas. Os valores já estão empenhados no Orçamento, a primeira etapa para que o pagamento seja feito. A engenharia do ministro supera em volume, em muitos casos, as emendas parlamentares - limitadas a um total de R$ 16,3 milhões por parlamentar - e compartilha, num acordo sem transparência, a gestão orçamentária de ministérios. Para efeito de comparação com o montante gasto nestas negociações, o governo empenhou R$ 3,9 bilhões em emendas para a área da atenção básica da saúde pública em 2020.
Lira tem influência em todas as etapas do processo de liberação de recursos. Ele negocia diretamente com o Planalto e tem apadrinhados em postos-chave no próprio Ministério de Desenvolvimento Regional e órgãos vinculados, como a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e o Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs). O secretário de Mobilidade e Desenvolvimento Regional e Urbano, Tiago Pontes Queiroz, autoridade competente para alguns dos contratos da Codevasf, foi indicado para a pasta, no ano passado, por Lira e pelo presidente do Progressistas, senador Ciro Nogueira (PI).
'É muito mais que isso'
Parte dos nomes citados na planilha do governo é dissidente de partidos que apoiam o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), adversário de Arthur Lira (Progressistas-AL) na disputa na Câmara. Nela estão os deputados da bancada baiana do DEM ligados ao ex-prefeito de Salvador ACM Neto, como Leur Lomanto (R$ 12 milhões), Arthur Oliveira Maia (R$ 7,5 milhões) e Paulo Azi (R$ 6,5 milhões).
Os parlamentares posaram para fotos com Lira na segunda-feira. Anteontem, Lomanto foi ao Planalto conversar com o ministro Luiz Eduardo Ramos. Azi, presidente do partido na Bahia, esteve com o chefe da Secretaria de Governo em dezembro.
À reportagem, Arthur Maia admitiu que o envio de fatias do orçamento aos Estados foi tratado com os deputados. Ele, no entanto, negou que as conversas tivessem relação com a eleição na Câmara. Disse ainda desconhecer a citação de seu nome na planilha. "Da minha parte não tem nada a ver", afirmou.
Em relação aos recursos atrelados a ele, o deputado citou que, além desse valor, conseguiu outros recursos. "Está errado, é muito mais do que isso ao longo de 2020. Porque você sabe: tem as emendas parlamentares, mas depois tem algumas liberações. Agora, não tem nada a ver com a candidatura de Lira", disse. "Me perdoe, você está me humilhando dizendo que só consegui R$ 7,5 milhões para a Bahia", ironizou.
Deputados ouvidos pela reportagem relataram que o grupo político de Lira tem orientado os parlamentares a se dirigirem pessoalmente ao gabinete de Ramos no Planalto.
Em reunião a portas fechadas, segundo eles, o ministro questiona a disposição em declarar voto no candidato do Progressistas em troca do empenho de dinheiro do Orçamento em obras em seu reduto. Após sinalizar interesse, o nome do deputado é imediatamente incluído na planilha, de acordo com os relatos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.