A Presidência da República está na contramão dos ministérios da Esplanada, que reduziram seus gastos em meio à pandemia de covid-19. O órgão turbinou as despesas pagas com cartão corporativo em 2020, gastando R$ 20,1 milhões, conforme dados do Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União (CGU). Esse volume é 27,2% superior aos R$ 15,8 milhões desembolsados pelo órgão em 2019.
Ao todo, o volume de gastos com cartão corporativo do governo federal somou R$ 170,8 milhões, no ano passado, dado 36,4% inferior aos R$268,4 milhões desembolsados em 2019.
A Presidência foi o órgão que registrou o segundo maior gasto nessa modalidade e superou pastas que estavam à frente no ano passado, como os ministérios da Justiça, da Educação e da Economia. Apenas um único CPF gastou 95% do total das despesas cobertas por cartão corporativo do órgão e ele "está sob sigilo". Essa pessoa sigilosa foi responsável pelos gastos de R$ 19,1 milhões, volume 27% superior aos R$ 14,9 bilhões pagos pelo contribuinte em 2019 para o mesmo CPF. Procurados, o Palácio do Planalto e a CGU não comentaram essa variação que fez a Presidência ocupar a vice-liderança de gastos com cartão corporativo da União.
Ministérios
No topo da lista desses gastos, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) registrou queda de 5,5% nas despesas com o cartão corporativo no ano passado, para R$ 115,2 milhões. Procurada, a pasta informou que essas despesas “são referentes, quase integralmente, às transferências obrigatórias para Ações de Defesa Civil”. “Por Lei, os recursos para ações de socorro e assistência humanitária têm transferência simplificada, realizada exclusivamente pelo Cartão de Pagamento de Defesa Civil (CPDC)”, destacou. De acordo com a pasta, os gastos efetivos do ministério com cartão corporativo somaram R$ 579,7 mil.
Diante desse dado, a Presidência da República foi, efetivamente, o órgão do Executivo que mais teve despesas com cartão corporativo do governo federal em 2020. Os três ministérios que mais gastaram com essa modalidade de pagamento, Justiça, Educação e Economia, reduziram as despesas no ano passado devido à pandemia de covid-19.
Os gastos do governo federal tornaram-se tema nas redes sociais após a revelação, feita pelo site Metrópoles, de que o Poder Executivo teve gastos de R$ 15,6 milhões na compra de leite condensado. O vice-presidente Hamilton Mourão minimizou esse gasto e afirmou, nesta quarta-feira (27/01) que ele “estava previsto no Orçamento”. Bolsonaro, por sua vez, em encontro com apoiadores, disse que o leite condensado era para "enfiar no rabo da imprensa”.
Indignação
De acordo com especialistas ouvidos pelo Correio, no Orçamento da União, os gastos com alimentos não são detalhados com minuciosidade e, portanto, não é possível identificar gastos tão específicos como vinho, chiclete e leite condensado. Eles criticam a falta de transparência nos dados que são apresentados dos gastos realizados pelo governo com o dinheiro dos contribuintes brasileiros.
“Os R$ 15 milhões de gasto com leite condensado são só a ponta do iceberg. O brasileiro precisa se indignar mesmo é com os R$ 1,5 trilhão de gastos da União no ano passado sem um detalhamento melhor dessas despesas”, afirmou o economista e consultor Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ele lembrou que, em 2020, o governo teve gastos adicionais de pelo menos R$ 600 bilhões com o orçamento de guerra para combater os efeitos da pandemia de covid-19. Castro defende mais critérios do governo federal no planejamento de gastos.
O economista Manoel Galindo, diretor executivo da Transparência Brasil, lembrou que a indignação pelo leite condensado está relacionada ao fato de a maioria da população conseguir compreender esse número, porque sabe o preço de uma lata ou caixinha desse produto no supermercado e consegue mensurar o tamanho. “Na verdade, não tem como saber se esses R$ 15 milhões de gasto com leite condensado é muito ou pouco. É preciso saber mais informações sobre essa compra e como e onde esse produto foi usado por cada pastas”, explicou.
Galindo admitiu que um problema maior é que os gastos federais são pouco transparentes. “Não tem informação detalhada dos gastos e também não há uma padronização das compras. E, por conta disso,fica difícil fazer comparações”, acrescentou. Ele lembrou que o governo também precisa explicar os gastos de mais R$ 2,5 milhões em vinho em um ano em que não houve festas e nem recepções nos órgãos da Esplanada. “Esse gasto chama a atenção”, alertou.
Castro também criticou a falta de transparência nos gastos públicos. “Essa polêmica do leite condensado, além de uma infantilização da preocupação da população, mostra que é preciso passar um pente fino em todas as despesas que somam R$ 1,5 trilhão. E, para isso, será necessária vontade política não só do governo, mas também dos parlamentares que ainda não votaram o Orçamento de 2021. Tenho certeza de que, se isso fosse feito, seria possível economizar de 15% a 20%, se fosse feita uma varredura nos gastos”, afirmou.