O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), instaurou, na manhã desta quinta-feira (21/1), uma comissão de juristas negros para revisar as leis de combate ao racismo no Brasil. O grupo já havia se reunido em 27 de novembro, após o assassinato de João Alberto Freitas, 40 anos, homem negro espancado até a morte por dois seguranças brancos de um Carrefour de Porto Alegre (RS). O colegiado será presidido pelo ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Na abertura, Maia lamentou não ter instaurado o colegiado antes e se comprometeu a ajudar os demais parlamentares no plenário a modernizarem e tornarem mais eficiente a legislação de combate ao racismo no Brasil a partir de 2 de fevereiro, quando deixará a presidência da Câmara. “Estarei no plenário ajudando para que esse debate, que essa modernização, o avanço em uma legislação tão importante, um tema que o Brasil vem deixando de enfrentar há anos, ao lado do Damião (Feliciano) e outros deputados, terei a honra de votar muitas matérias”, afirmou.
O ministro Benedito Gonçalves deu início aos trabalhos destacando a memória do racismo no país. “O Brasil foi o maior território escravagista do hemisfério ocidental por quase três séculos e meio. Recebeu, sozinho, quase 5 milhões de africanos cativos, 40% do total de 12,5 milhões traficados para a América. Como resultado, é o segundo país de maior população negra ou de origem africana do mundo. O Brasil foi, também, a nação que mais tempo resistiu a acabar com o tráfico negreiro e o último a abolir oficialmente o cativeiro na América do Sul”, lembrou.
O ministro também recordou que foi apenas a partir da Constituição de 1989 que o Brasil passou a definir o crime de racismo, pela lei 7.716/89. “As nossas reflexões no nosso trabalho vão se desenvolver nas dimensões estruturais e institucionais. O racismo institucional é menos evidente e direto. Essa forma de discriminação ocorre por meios institucionais, mas não explicitamente contra pessoas devido a sua cor. Temos a abordagem mais violenta de policiais contra pessoas negras e a desconfiança de agentes de segurança contra pessoas negras sem nenhuma justificação coerente”, exemplificou.
“Chegamos no racismo estrutural. Menos perceptível, está cristalizado na cultura do povo de modo que, muitas vezes, nem parece racismo. A presença do racismo estrutural pode ser constatada pelas poucas pessoas negras que ocupam lugar em destaque nas instituições. Quando há utilização de expressões linguísticas em piadas racistas. Nossa missão é de levar a dignidade da pessoa humana, avaliando e propondo estratégias com vistas ao aperfeiçoamento dos atos normativos de combate ao racismo nas manifestações propostas”, completou.
Desconforto
Logo no começo da reunião, a deputada Áurea Carolina (PSol-MG) reclamou que soube da comissão pelas redes sociais, e que a reunião não foi devidamente publicizada entre os deputados da bancada de parlamentares negros e negras. “A comissão é muito necessária. Tomei conhecimento da instalação da comissão nas redes. O que me causou profunda espécie, senhor Rodrigo Maia. Temos uma bancada que não é tão grande, de parlamentares negros e negras na Câmara, e é importante que essa bancada tome conhecimento de iniciativas que dizem respeito de uma agenda prioritária para nós”, reclamou.
Primeiro encontro
No primeiro encontro, em novembro, a comissão externa da Câmara que acompanha a investigação da morte de João Alberto Freitas reuniu um grupo de 17 juristas e pesquisadores negros para debater a pauta antirracista no Congresso. No fim do encontro, os deputados decidiram levar para o plenário o Projeto de Decreto Legislativo da Câmara (PDC) número 861/2017, texto da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância.
O deputado Orlando Silva (PCdoB), que presidiu o primeiro encontro, fez uma lista de iniciativas definidas a partir da discussão com os especialistas. Entre elas, um mapeamento de projetos de lei de combate ao racismo já existentes para serem debatidos e aprovados, a necessidade de reforçar o Estatuto da Promoção da Igualdade Racial e, também, acionar o Ministério Público do Rio Grande do Sul para que promotores transformem os compromissos de combate à discriminação listados pelo Carrefour em um termo de ajuste de conduta (TAC).