Enquanto Manaus vive um cenário de terror, com centenas de pacientes agonizando pela falta de oxigênio e de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), a classe política, entre farpas e trocas de acusações sobre responsabilidades pelo caos, promete empenho para tentar amenizar os impactos da covid-19 na capital amazonense.
Ao passo em que o governo federal disse que vai construir um hospital de campanha em Manaus e entregar 30 mil metros cúbicos de oxigênio para a cidade, até o início da próxima semana, governadores colocaram-se à disposição para receber em seus estados os pacientes amazonenses que precisam do insumo ou de tratamento especializado.
Ontem, o presidente Jair Bolsonaro disse que o Executivo está fazendo a sua parte. Pelo menos 500 cilindros de oxigênio já foram entregues em Manaus pelo Ministério da Defesa, que também transportou 50 toneladas de equipamentos e materiais para a montagem de um hospital provisório. Ele ainda informou que pediu ajuda ao embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley, para o país do Oriente Médio enviar cilindros de oxigênio ao Amazonas. “A gente está sempre fazendo o que tem de fazer. Terrível, o problema em Manaus. Agora, nós fizemos a nossa parte. Recursos, meios”, disse o chefe do Executivo, pela manhã, a apoiadores.
Governadores criaram uma rede de solidariedade para Manaus, oferecendo leitos e equipamentos. São Paulo prometeu enviar 40 respiradores para a cidade. “Conseguimos a solidariedade da Latam para encaminhar, transportar e entregar, imediatamente, à Secretaria da Saúde do Estado do Amazonas esses 40 respiradores. É uma pequena ajuda, mas é um sentimento solidário do estado de São Paulo aos seus irmãos do estado do Amazonas”, afirmou o governador João Doria (PSDB), em entrevista coletiva. “Orientei, também, o nosso secretário da Saúde a disponibilizar leitos nos hospitais públicos e a gerenciar leitos em hospitais privados para aqueles que puderem ser transportados até São Paulo para o atendimento prioritário.”
À exceção dos governadores Reinaldo Azambuja (PSDB-MS), Mauro Mendes (DEM-MT), Ratinho Júnior (PSD-PR), Coronel Marcos Rocha (sem partido-RO), Belivaldo Chagas (PSD-SE) e Mauro Carlesse (DEM-TO), todos os demais chefes dos Executivos estaduais já declararam, publicamente, que estão à disposição. “Disponibilizaremos leitos de UTI pediátrico para atender as crianças do Amazonas. Equipes de saúde estão operacionalizando o transporte das crianças para Minas. Nós, mineiros, que já fomos muito ajudados em momentos de dor, estamos solidários”, destacou o governador do estado, Romeu Zema.
Parlamento
O Congresso também se mobilizou e quer a convocação de uma comissão representativa para definir ações de enfrentamento ao momento crítico pelo qual Manaus passa. “É mais do que urgente que o Parlamento esteja de portas abertas, trabalhando para encontrar soluções para essa situação tão drástica e urgente. Não podemos nos omitir”, justificou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que endereçou o pedido ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Além disso, foram entregues, a Bolsonaro, dois pedidos de intervenção federal em todo o estado do Amazonas. Os textos foram elaborados pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM) e pelo deputado Delegado Pablo (PSL-AM). “A União possui maior capacidade financeira e também recursos logísticos de alcance nacional, como os aviões cargueiros da Força Aérea Brasileira, para ter agilidade na busca de insumos e no transporte de pacientes”, escreveu Braga, no seu ofício. “O Ministério da Saúde possui expertise para atuar na cooperação interestadual do SUS (Sistema Único de Saúde), além de deter a competência de editar atos normativos, em caráter excepcional, que determinem a reserva de bens e produtos, em qualquer parte do território brasileiro, para serem utilizados em situações de emergência ou calamidade públicas.”
“A imprescindibilidade da intervenção é translúcida, pois não há outro meio menos gravoso ou oneroso para alcançar o fim público de garantir a vida do povo do Amazonas e assegurar que o seu direito à saúde seja preservado. Apenas o governo, com sua estrutura maior do que a do estado do Amazonas, tem capacidades de debelar a atual ruptura da saúde estadual”, reforçou Delegado Pablo.
Insultos
Em meio à solidariedade, aflorou, também, a rivalidade política. Parlamentares de oposição ao governo criticaram duramente Bolsonaro por não se empenhar no combate à doença. O embate principal, porém, envolveu o presidente e João Doria, desafetos desde o início da crise sanitária. O governador referiu-se ao chefe do Planalto como um “facínora”. “Li uma manifestação do presidente Jair Bolsonaro dizendo: ‘Fiz tudo o que estava ao meu alcance, o problema agora é do estado do Amazonas e da Prefeitura de Manaus’. Inacreditável. Em outro país, isso, talvez, fosse classificado como genocídio. É um abandono dos brasileiros”, disparou o gestor de São Paulo.
Bolsonaro rebateu as críticas: “Vem esse moleque, governador de São Paulo, me acusar de facínora. Seja homem, cara. É duro mexer com quem tem um comportamento como esse cara. Em São Paulo, (existe) um governador medíocre, que não sai na rua. Se sair, vai ser linchado”, irritou-se.
O chefe do Executivo também reclamou do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo ele, suas ações contra a pandemia foram “tolhidas” pela Corte. O mandatário também comentou sobre eventual abertura de processo de impeachment.
“Qual moral têm João Doria e Rodrigo Maia em falar de impeachment ou me acusar de tudo isso que está acontecendo aí se eu fui impedido pelo STF de fazer qualquer ação em combate ao coronavírus em estados e municípios?”, afirmou à TV Bandeirantes. “Eu tinha de estar na praia uma hora dessas. Pelo STF, eu tinha que estar na praia agora, tomando uma cerveja. O Supremo falou isso para mim. O erro meu, agora, foi não atender ao STF e estar interferindo, ajudando quem está morrendo em Manaus.”