Ao anunciar o fechamento das suas fábricas no Brasil, há dois dias, a Ford informou que o fim das atividades no território nacional se deve à intenção da empresa de se adequar a um modelo de negócios mais ágil e enxuto. Mas a saída da montadora deixou um recado claro sobre a falta de confiança dos investidores estrangeiros no país e reforçou a necessidade de a classe política acelerar a aprovação de reformas estruturais, em especial, a tributária, que está em discussão no Congresso desde abril de 2019.
Não é de hoje que empresários e economistas vêm alertando que a demora para a aprovação da matéria pode desfavorecer o clima dos negócios no Brasil, mas tanto o Executivo quanto o Legislativo travaram as discussões. Câmara e Senado apresentaram uma proposta cada um, mas deputados e senadores entraram em conflito sobre qual seria o melhor texto para modificar o sistema tributário. Uma comissão mista foi criada para tratar do assunto, mas, até agora, não houve consenso entre as Casas.
O governo só entrou na discussão no segundo semestre do ano passado, porém, a sugestão entregue ao Congresso não agradou. O Executivo apresentou apenas uma parte da proposta, a de unir PIS e Cofins em um único encargo, a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS). Depois disso, pouco fez para que a matéria tivesse sequência no Parlamento.
Os políticos dizem que a pandemia da covid-19 atrapalhou a conclusão da reforma tributária em 2020, com o sistema de trabalho remoto paralisando a atividade das comissões. Mas reconhecem que o exemplo da Ford deve servir como alerta.
“É mais um sinal da necessidade de o Brasil acelerar a reforma tributária, porque o atual sistema tributário é o pior do planeta, penaliza os mais pobres e quem produz”, disse o senador Roberto Rocha (PSDB-MA), presidente da comissão mista da reforma tributária. Ele estima que o colegiado termine, em março, as discussões acerca dos três textos que tramitam no Congresso e consolide as propostas em um único documento, para que os plenários da Câmara e do Senado votem a pauta até o fim do primeiro semestre.
“A decisão da Ford deve incentivar os parlamentares a aprovar isso logo. Afinal, qualquer investidor estrangeiro que olha para o Brasil enxerga um pandemônio tributário. Se juntarmos todas as leis, dá um livro de 7,5 mil quilos, que não serve para nada. É evidente que isso afasta investidores e dificulta a entrada de novas empresas”, ponderou Rocha.
Colapso
O deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) segue a mesma linha. “A saída da Ford é um grave sinal de que nossa economia pode entrar em colapso. Já passou da hora de avançarmos com as reformas e garantirmos a retomada econômica do país. É preciso desburocratizar os serviços e dar mais segurança jurídica para atrair o capital privado”, enfatizou.
Para o gerente-executivo de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Renato da Fonseca, é preciso reconhecer que a Ford está passando por uma reestruturação mundial. “Agora, ao tomar essa decisão, está olhando o ambiente de negócios dos países. Vai ver custo de mão de obra, mercado consumidor, custo de insumos, mas, principalmente, excesso da burocracia e insegurança”, pontuou. Segundo ele, o custo Brasil pesou na decisão da companhia e é muito mais do que o sistema tributário complexo. “Hoje, a cadeia global trabalha com pouco estoque e muita eficiência logística. No Brasil, as cargas ficam paradas no porto, há uma quantidade enorme de órgãos anuentes, o processo de comércio exterior ainda é muito burocrático”, assinalou.
Os acordos comerciais do país também influenciaram na decisão da empresa, segundo Emerson Marçal, coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP). O acordo assinado com a União Europeia prevê a abertura do mercado para os carros europeus com alíquota zero nos próximos anos. Enquanto o do Mercosul, fechado pelo governo Bolsonaro, prevê o fim de qualquer restrição ou cota a partir de 2029. “Para a Ford, 2029 é logo ali e poderá exportar da Argentina e do Uruguai para cá.”
Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos, ressaltou a motivação interna da companhia. “Não consigo ver só questões macroeconômicas para a empresa decidir sair, houve uma decisão estratégica. Mas o custo Brasil, definitivamente, atrapalha o desenvolvimento econômico”, destacou. (Colaborou Ingrid Soares)