Em um dos momentos mais atípicos da democracia brasileira, os prefeitos dos mais de cinco mil municípios do país vão tomar posse, hoje, em cerimônias sem grandes aglomerações e, em alguns casos, de forma virtual, por causa da pandemia do novo coronavírus. Para a maioria das cidades (63%), não haverá novidades, já que os mandatários da última gestão foram reeleitos. No restante (37%), os novos gestores chegam para tentar cumprir suas promessas de campanha.
Apesar de os mandatos serem novos, os desafios dos prefeitos são os mesmos de anos anteriores, com o agravante da pandemia. De acordo com especialistas, a arrecadação e a retomada da economia estão entre os maiores desafios dos Executivos locais.
Nesse cenário, as capitais devem se sair melhor, já que os investimentos feitos pelo governo federal em 2020 ajudaram a turbinar os caixas dessas prefeituras. Dados do Tesouro Nacional mostram que, de janeiro a agosto do ano passado, 20 das 26 capitais receberam R$ 2,7 bilhões acima do valor de suas perdas de arrecadação com o Imposto Sobre Serviços (ISS), principal indicador da atividade econômica do município. Ao todo, a União destinou cerca de R$ 60 bilhões para os entes compensarem suas perdas de arrecadação.
“Por conta do auxílio financeiro dado pelo governo federal e por causa da recomposição, os municípios tiveram um fechamento melhor de suas contas. Mas o desafio será este 2021, quando a arrecadação será a mesma, mas as previsões de despesas, maiores”, afirma Glademir Aroldi, presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM).
Segundo Glademir, a procura por serviços básicos na área da saúde e educação será maior, e isso é o que vem preocupando os novos gestores. “As demandas que foram reprimidas em 2020 por causa da pandemia, como consultas médicas, cirurgias eletivas, ou, até mesmo, a volta às aulas devem crescer neste novo ano. Com uma arrecadação parecida com a de 2020, os novos prefeitos estão preocupados com a forma com que vão suprir essas demandas”, argumenta.
Outro fator que deverá impactar a gestão das prefeituras será o fim do auxílio emergencial pago pelo governo federal a informais. Um estudo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) mostrou que o benefício proporcionou um crescimento de 10% na economia de mais de 30% dos municípios brasileiros. Em quase uma centena de cidades (92 localidades), o volume de dinheiro superou a renda local em pelo menos 20%. A maioria delas fica nas regiões Norte e Nordeste, onde persistem localidades com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e se registra alta proporção de população já beneficiada por outros programas sociais, como o Bolsa Família.
Para Paulo Loiola, especialista em gestão de políticas públicas e estrategista político da Baselab, o fim do programa, sem uma retomada consistente da economia, vai ocasionar maior demanda da área social das prefeituras. “O fim do auxílio emergencial deixará um buraco nas pequenas cidades. Salvas as exceções, a maioria das prefeituras está quebrada, mas terá de administrar o crescimento da demanda da população nas secretarias de assistência social”, ressalta.
Vacinação
Enquanto cerca de 50 países já começaram a imunizar sua população contra a covid-19, o Brasil segue sem um calendário definido de vacinação. De forma paralela, o governo de São Paulo prometeu começar a imunização no fim deste mês. Além disso, prefeitos de outras cidades, que tomam posse hoje, como Eduardo Paes (DEM), do Rio de Janeiro, já anunciaram acordos para comprar a vacina do governo paulista — a CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a empresa chinesa Sinovac.
Na opinião de Loiola, a falta de uma campanha nacional dividirá, ainda mais, os municípios pobres e ricos do país. “Isso vai aumentar a distância entre os que tenham mais e menos recursos. Os prefeitos que tiverem dinheiro vão comprar, enquanto os demais terão de esperar”, diz.
Já Glademir Aroldi afirma que a campanha deveria ocorrer de forma nacional e que apenas a vacina permitirá o crescimento de todo o Brasil. “Esperamos que o Ministério da Saúde coordene isso. Nós entendemos que o retorno das atividades econômicas e o crescimento dependem da imunização”, destaca.