Ponto a ponto

Livro tenta explicar e entender o bolsonarismo e seus desdobramentos

"Aceitei o desafio. A intenção é teorizar sobre o fenômeno do bolsonarismo e tentar entender a prática, os contornos, tanto dentro do governo quanto nas ruas", explica um dos organizadores da obra

Luiz Calcagno
postado em 11/01/2021 06:00
 (crédito: @al.ce.gov.br)
(crédito: @al.ce.gov.br)

Na tentativa de buscar entender o bolsonarismo e seus desdobramentos nos próximos dois anos que o cientista político, mestre em sociologia política e doutor em direito Geraldo Tadeu Monteiro organizou, com o também cientista político Carlos Sávio Teixeira, o livro Bolsonarismo: teoria e prática, que reúne 14 artigos de 25 pesquisadores que trabalham para destrinchar o fenômeno político. O trabalho surgiu de uma afirmação de Carlos Sávio, que é professor da Universidade de São Paulo, de que Bolsonaro desafia as ciências sociais brasileiras. “Aceitei o desafio. A intenção é teorizar sobre o fenômeno do bolsonarismo e tentar entender a prática, os contornos, tanto dentro do governo quanto nas ruas”, explica Geraldo Tadeu. Confira os principais pontos da conversa de Geraldo Tadeu com o Correio.

O livro

Chamamos quem trabalhava com acompanhamento das redes sociais, com análise das políticas públicas, com o posicionamento das lideranças evangélicas, e cada uma trouxe sua contribuição. De um modo geral, podemos dizer que o bolsonarismo é o maior desafio à democracia brasileira nos últimos 30 anos. É mais ou menos o que o Trump está fazendo nos EUA. Ele representa a antítese do que era a política nos Estados Unidos. Não respeita costumes políticos. Procura avançar o sinal, exercer o poder dele de maneira maquiavélica, no caso do Trump. Bolsonaro tem o mesmo perfil.

A nova direita

Enquanto a esquerda é bastante fragmentada, a direita sempre foi mais coesa. Organiza-se em torno de um ideário vago, difuso, mas todos os partidários comungam daquela ideologia. Já tivemos o integralismo, o conservadorismo católico, a aventura do Enéas Carneiro, do Prona, um partido de extrema direita. E o Enéas era uma figura populista de extrema direita. Bolsonaro conseguiu fazer com que todos os movimentos de extrema direita convergissem para o mesmo canal. Bolsonaro é o delta para onde correm os rios da extrema direita. Isso começou em 2013, com as manifestações. Aquele momento de ruptura não foi levado a sério pela esquerda. Mas a direita levou a sério e cooptou o movimento.

Medo e ideologia

É da ideologia de direita dizer que o país está sendo ameaçado. No caso dos americanos, a ameaça é pela China, União Europeia. No Brasil, não há inimigo externo. Então, de quem é a culpa? É da esquerda. E há uma aproximação estudada do Bolsonaro com lideranças evangélicas conservadoras. Não são todos os evangélicos. A aliança deles é com as lideranças. Edir Macedo, Malafaia, Waldomiro. E você agrega o grupo conservador em ascensão, que tem uma pauta de costumes. E os inimigos são a ideologia de gênero, aborto, direitos humanos.

Futuro do bolsonarismo

Temos duas evoluções possíveis. O Viktor Orbán está há 10 anos no poder da Hungria. Ele criou um novo partido, institucional e tem controle do parlamento. Mudou as instituições, ganhou a maioria do legislativo. O Duterte (Rodrigo Duterte, presidente das Filipinas) está em processo de institucionalização. Ele tem uma política de segurança mão pesada e com agenda econômica neoliberal. É a cartilha. Institucionalização é não quebrar as instituições. Você ocupa, dá suas feições, mas não destrói. Trump e Bolsonaro foram em outro sentido, da não institucionalização e do culto ao líder. O Trump desmontou várias agências americanas. A principal é a ambiental, pois o modelo dele é o capitalista clássico, sem preocupação com o meio ambiente.

Trump e Bolsonaro

Assim como Bolsonaro encarna o espectro da extrema direita no Brasil, assim foi Trump, que sempre atuou na base do voluntarismo, do mandonismo. E o partido Republicano mais homologou que influiu. É o mesmo caso de Bolsonaro. Ele não tem uma base parlamentar, pois teria que fazer acordos e respeitá-los. Isso implicaria perda de poder. Então ele prefere o padrão caótico, mesmo com maior número de de MPs derrubadas e nenhuma grande conquista legislativa. O que ele faz por decreto, alguém vai na Justiça e barra. É a política do “eu sozinho”. Não conseguiu criar o partido, não é institucionalizado, e vai na linha de Trump, da ação individual. E todo esse movimento que ele alimenta nas ruas é ligado diretamente à pessoa dele. É para emparedar legislativo, judiciário, as instituições em geral.

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