Democracia de redoma
A palavra final da eleição americana ficou para os representantes do povo que se reúnem no Capitólio neste Dia de Reis, da Epifania, que quer dizer manifestação. Um dia assim evoca a vontade de falar sobre como a democracia se manifesta. Com tudo o que aconteceu com o voto do povo, temperado com manifestações racistas pelas ruas, voltou, entre analistas mais jovens, a tese de que os Estados Unidos estão em decadência. Se fossem da minha geração estariam com a sensação de déjà-vu. Nos anos 1960, enquanto corria solto o napalm no Vietnã, a tese preferida era a de que os americanos são “os romanos do século XX”, prestes a assistirem à queda do império.
As novas gerações, influenciadas por seus professores gramscistas, foram ensinadas a pensar que o Estado age em nome do povo e que, portanto, todo poder emana do Estado, que age pelo bem do povo. Essa falácia não deu certo nos 70 anos de poderes divinos do Estado soviético. Lá, a democracia não havia podido se manifestar.
Porque a democracia põe o Estado a seu serviço. Ainda não se encontrou sistema com menos defeitos. Como a mão invisível do mercado, a democracia tem um regente invisível, que se manifesta pela vontade do povo, que corrige as desafinações da orquestra e faz voltar a harmonia. Todo poder emana do povo é diferente de “todo poder emana do Estado”. O maior bem da democracia é a liberdade. Quem não preza a sua liberdade, quem se entrega ao Estado para reger a sua vida, ainda não se preparou para a cidadania, viver a democracia.
Aqui no Brasil, em todo discurso nos Três Poderes, está a palavra democracia, pronunciada com a mesma frequência com que um sedento usa a palavra água. Ela só é praticada afinada com a vontade da maioria. Mas como podem ouvir a manifestação do povo os que vivem isolados dele? São os que evitam a praia, a padaria, o restaurante, o shopping, o avião, o estádio, porque temem o povo. Se estão isolados nas suas redomas, já não seria a hora de se perguntarem por que temem o povo?
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