Um dos personagens notórios no enfrentamento da pandemia de covid-19 no Brasil, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), viu-se em maus lençóis esta semana ao viajar para a Flórida, nos Estados Unidos, onde passaria as festas de fim de ano em Miami. Em meio à péssima repercussão da viagem, à frustração sobre os resultados vagos da CoronaVac e à confirmação de que o vice-governador, Rodrigo Garcia (DEM), contraíra covid-19, Doria decidiu retornar ao Brasil. A atitude do governador, contudo, foi apenas mais uma dentre as várias condutas erráticas dos governantes do país na batalha contra o novo coronavírus. São evidentes as contradições de autoridades públicas que pedem a colaboração dos brasileiros para a conter a doença, mas nem sempre dão o melhor exemplo à sociedade.
O protagonista, nesse cenário, é o presidente Jair Bolsonaro. Mesmo já tendo sido diagnosticado com covid-19, ele menospreza os perigos da doença que já matou quase 190 mil brasileiros e atingiu mais de 7 milhões de pessoas no país. O mandatário não se preocupa em evitar aglomerações e recusa-se a utilizar máscaras faciais. O presidente é reconhecido, ainda, por questionar a eficácia das futuras vacinas e diz que não pretende tomar o imunizante, contribuindo para o movimento antivacina.
As incoerências, entretanto, não se restringem apenas ao desrespeito às medidas de prevenção. Durante a pandemia, o país viu governantes serem alvos de denúncias por crimes contra a administração pública.No Rio de Janeiro, o governador afastado Wilson Witzel (PSC) responde a um processo de impeachment e está impedido de exercer o cargo por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), devido a suspeitas de corrupção na área da Saúde em plena pandemia.
Na cidade do Rio de Janeiro, o prefeito afastado Marcelo Crivella (Republicanos), sempre crítico às medidas de isolamento social, não só minimizou a pandemia como abandonou o sistema público de saúde carioca. Nesta semana, foi preso suspeito de ser o responsável por um esquema de corrupção milionário.
Descaso
Na avaliação de cientistas políticos ouvidos pelo Correio, os episódios protagonizados por políticos pelo país simbolizam o descaso que virou o combate à pandemia da covid-19 no Brasil. Professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Ricardo Ismael diz que o principal problema foi a falta de cooperação e coordenação entre governo federal, estados e municípios, mas ele destaca que as atitudes de cada governante deixaram a desejar.
Para Ismael, “posturas que induzem a comportamentos individuais de risco, que contribuem para a propagação do vírus, são inaceitáveis”. “Existe uma situação que não está sob controle. Portanto, os governantes, sejam eles quem forem, não podem induzir a população a ações que façam que a disseminação do vírus aumente e tenhamos um aumento no número de óbitos. Se não tivermos o apoio da população, será pior, e tornará mais difícil ainda o enfrentamento da pandemia por parte de médicos, enfermeiros e hospitais”, alerta.
O cientista político Geraldo Tadeu, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acrescenta que “o Brasil está diante de uma guerra, mas nós estamos lutando de mãos nuas porque os generais não estão em campo”. “Se os governantes que fazem as normas não se submetem a elas, como podem pedir para que a população se submeta às regras? A forma como os políticos agem influencia as demais pessoas. O exemplo deve vir de cima”, afirma.
Segundo ele, “o país está pagando o preço pelas posturas negacionistas dos políticos”. “Se o Ministério da Saúde tivesse exercido o papel de coordenar esforços e estabelecer diretrizes nacionais para sensibilizar a população, poderia ser diferente. Mas, desde o início, foi uma tragédia de erros o combate à pandemia. Vemos pessoas morrendo todos os dias e os políticos brigando entre eles. Assim, não ganharemos a guerra.”