Juristas veem falhas na prisão domiciliar

A saída da prisão do prefeito afastado do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, para um regime de reclusão domiciliar foi mais um caso de personagens do cenário político do país que, recentemente, tiveram direito ao mesmo benefício. Além do político, alguns exemplos são a ativista Sara Winter e do jornalista Oswaldo Eustáquio, alvos de inquéritos do Supremo Tribunal Federal (STF).

Apesar das instruções do Poder Judiciário para que Winter e Eustáquio respeitassem restrições durante a prisão domiciliar, como não usar redes sociais e não sair de suas residências, eles descumpriram as ordens. Eustáquio, inclusive, teve a prisão decretada na última semana após se dirigir pessoalmente ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O jornalista se recupera de uma lesão na coluna após sofrer uma queda no presídio da Papuda.

Winter, por sua vez, teve os perfis pessoais na internet derrubados, mas criou contas alternativas para se manifestar. Na maior das polêmicas, em agosto, ela divulgou informações pessoais de uma menina de 10 anos que fez um aborto depois de ser estuprada pelo próprio tio. Ao contrário de Eustáquio, contudo, ela segue reclusa dentro de casa.

Os episódios recentes, na avaliação de juristas, mostram que a concessão de prisões domiciliares pode representar riscos para o inquérito judicial. A depender do poder de influência da pessoa que é alvo da investigação, a saída dela da prisão, mesmo que sob uma série de condicionantes, não livra a apuração de interferências.

“A prisão domiciliar pode ser perigosa ou inadequada em alguns casos dada a capacidade de influência e de interferência do preso na fase investigatória. Alguns presos, devido à sua ascendência econômica ou política, podem figurar como pessoas inadequadas para ter esse benefício”, pondera o advogado constitucionalista Marcellus Ferreira, mestre em direitos e garantias constitucionais pela Faculdade de Direito de Vitória.

Ferreira nota que o alvará de soltura expedido pelo STJ em favor de Crivella ocorre em um momento no qual a cidade do Rio de Janeiro está “sob um caos administrativo justamente por conta da interferência e da ação de políticos mal-intencionados”. No entendimento do advogado, “algumas categorias de pessoas são mais favorecidas. Há um endurecimento muito grande em relação a determinadas categorias e um afrouxamento em relação a outras. Essa assimetria de tratamento jurisprudencial e jurisdicional é um desvio. O sistema penal brasileiro, em alguns pontos, é excessivamente garantista”, critica.

A advogada constitucionalista Vera Chemim, mestre em direito público pela Fundação Getulio Vargas (FGV), acrescenta que, apesar de Crivella ter sido privado de usar celular e computadores próprios, a incomunicabilidade dele nunca será absoluta, mas, sim, relativa.

“A partir do momento que se comunicar com alguém, ele pode prejudicar o andamento da investigação — que é um dos requisitos para a pessoa ficar presa preventivamente —, e oferecer um risco à ordem pública e econômica”, alerta.