O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Nunes Marques suspendeu, no último sábado, um trecho da Lei da Ficha Limpa que prevê que o prazo de inelegibilidade de oito anos vale depois do cumprimento da pena. A medida cautelar, que ainda vai ao plenário da Corte, está no âmbito de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) impetrada pelo PDT e gerou críticas ao ministro. Além de ter decidido um assunto já julgado constitucional pelo colegiado, a decisão ocorreu um dia antes do recesso Judiciário, que começou ontem.
Nunes Marques suspendeu a expressão “após o cumprimento da pena” em um trecho da lei que diz que são inelegíveis, para qualquer cargo, “os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena” por diversos crimes, como abuso de autoridade, eleitorais, lavagem de dinheiro e contra a vida e a dignidade sexual.
Se uma pessoa é condenada, por exemplo, a 10 anos de prisão e a inelegibilidade pelo prazo de oito anos, este período passa a ser contado só depois que ela cumprir a pena. Agora, com o entendimento de Nunes Marques, a pessoa já poderá ser elegível assim que terminar de cumprir a pena, visto que já terão passado os oito anos. A decisão vale apenas “aos processos de registro de candidatura das eleições de 2020 ainda pendentes de apreciação, inclusive no âmbito do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STF”. Ou seja, apenas para os casos que ainda não foram analisados.
No pedido, o PDT afirma que a atual legislação gera uma inelegibilidade por tempo indeterminado, porque acaba dependendo do prazo de tramitação do processo. Na decisão, o ministro disse que a norma “parece estar a ensejar, na prática, a criação de nova hipótese de inelegibilidade”.
“Perplexidade”
Ao Correio, o decano do Supremo, o ministro Marco Aurélio, disse ver com “certa perplexidade” a decisão de Nunes Marques. “O Supremo já tinha enfrentado essa lei. Quando nós apreciamos a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, nós apreciamos no todo”, afirmou. O magistrado frisou que não critica o que foi decidido por Marques, por não ter lido a medida cautelar, mas que acreditava que o assunto já estava superado, visto que o colegiado do STF julgou a constitucionalidade da lei em 2012.
Marco Aurélio ressaltou o artigo 16, da Constituição Federal, que prevê que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. “O que se busca com isso: a estabilidade. É disputar sabendo quais são as regras do jogo. Não dá para, em cima de uma eleição, você inovar esse princípio constitucional. Se nem o legislador pode inovar, o Judiciário poderá?”, questionou.
Para Marco Aurélio, a atuação individual para ser referendada posteriormente “é exceção”. “Você só pode atuar isoladamente se houver, realmente, em termo de inconstitucionalidade, algo gritante”, disse.
O ministro frisou que o Supremo endossou a lei editada pelo Congresso Nacional. “Não dá para mudar e atuar como legislador positivo. O que eu penso é que está na hora de nós entendermos que outros Poderes também exercem o crivo de constitucionalidade”, afirmou.
Movimento
A decisão de Nunes Marques soma-se a um movimento que vem sendo analisado nos bastidores da Corte como uma reação de ministros ao presidente Luiz Fux. Isso porque, em uma atitude inédita na história recente do STF, os ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes comunicaram à presidência do tribunal que vão seguir despachando durante o recesso.
O gesto foi interpretado como uma nova retaliação a Fux, que provocou um racha com a ala garantista do Supremo ao definir o placar no julgamento que barrou a possibilidade de reeleição dos atuais presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O deputado, aliás, manifestou-se sobre a medida dos ministros que continuam trabalhando.
“Parabéns aos ministros do STF pela decisão. Continuo defendendo que o Congresso deveria trabalhar no mês de janeiro e organizar uma pauta com o governo. A pandemia e a situação econômica do país exigem um esforço maior de todos nós”, escreveu o deputado, no Twitter.
Além disso, o acirramento dos ânimos na Corte ocorre após um grupo de advogados ter apresentado um habeas corpus, cujo efeito poderá levar à soltura de condenados presos no país. Os criminalistas querem derrubar a liminar de Fux que suspendeu, por tempo indeterminado, a implementação do juiz de garantias.
O regimento interno do Supremo prevê que, entre as atribuições do presidente do tribunal, está “decidir questões urgentes nos períodos de recesso ou de férias”. O STF só retoma regularmente os trabalhos em fevereiro.
“Não dá para mudar e atuar como legislador positivo. O que eu penso é que está na hora de nós entendermos que outros Poderes também exercem o crivo de constitucionalidade”
Ministro Marco Aurélio de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, ao comentar a decisão do ministro Nunes Marques