Para que essa angústia?
O ministro Eduardo Pazuello até tentou se explicar, mas o estrago já estava feito. Após se perguntar, na quarta-feira, quais seriam os motivos de tanta apreensão em torno da mais poderosa arma para deter o avanço da covid-19, ele, talvez, não fizesse ideia da reação que varreria o país. Naquele dia, o governo anunciava o plano nacional de vacinação, uma tentativa legítima de mostrar uma ação efetiva contra a tragédia que chegará a 200 mil mortos em questão de semanas e superou os 7 milhões de casos. Disse Pazuello: “O povo brasileiro tem a capacidade de ter o maior programa de imunização do mundo. Somos os maiores fabricantes de vacina da América Latina. Para que essa ansiedade e essa angústia? Somos referência na América Latina e estamos trabalhando”.
As críticas vieram ferozes. Um dia depois, o general achou por bem explicar as declarações da véspera, após ser chamado, entre outros qualificativos, de “ministro tranquilão”. Em audiência pública no Senado, Pazuello disse que se referia à execução da logística, e não à dramática situação da pandemia no Brasil. “Em hipótese alguma, eu acho que alguém pode não ter ansiedade ou angústia sobre a pandemia que estamos vivendo. Todos estamos ansiosos, todos estamos angustiados. É só ver a nossa cara, é só olhar no espelho de cada um. Claro, era sobre a execução do plano, e não sobre a pandemia propriamente dita. Peço desculpas pela confusão que posso ter causado”, tentou corrigir-se, em resposta ao questionamento do senador Tasso Jereissati, que salientou haver muita angústia entre os brasileiros que perderam um ente querido ou conhecem alguém de luto em razão da covid-19.
Talvez, o episódio mostre a Pazuello uma lição preciosa para figuras públicas: o cuidado com as palavras. Essa cautela — eventualmente fora de moda em tempos de “lacração” nas redes sociais — torna-se essencial, particularmente, em momentos críticos como o atual, em especial com os assuntos referentes à pasta que comanda. Apenas para ficar nesta semana, o país assistiu, com todas as controvérsias inerentes, ao lançamento do plano nacional de vacinação, que sofre de lacunas, como a ausência de uma data precisa para dar início à imunização. Em mais uma ação imprudente, Pazuello disse que a vacinação começaria em março; depois, fevereiro; em seguida, dezembro; e, agora, entre 18 e 20 de janeiro. Paralelamente às questões do calendário, o Supremo Tribunal Federal determinou que a vacina será compulsória no Brasil, embora não forçada. É mais um exemplo de como o Poder Judiciário é obrigado a ingerir na vida nacional, tratando de um tema que poderia estar pacificado no âmbito do Executivo. O Supremo definiu, ainda, que estados e municípios estão autorizados a adquirir vacinas sem o aval da Anvisa, desde que aprovadas por agências internacionais. Significa dizer que governadores e prefeitos poderão negociar com fornecedores estrangeiros, tornando mais complexa a distribuição dos imunizantes pelo país. Em um cenário conturbado como este, convém adotar uma postura mais comedida, cautelosa e colaborativa. Seria de bom tom mostrar-se mais realista, mais modesto. Expressar mais empatia, mais sentimento, mais solidariedade, mais respeito e cautela ao se dirigir à nação.
O que dá angústia, neste momento da pandemia, é assistir a outras nações percorrerem a travessia agitada da covid-19 com muito mais civilidade e espírito público do que no Brasil. O motivo de nossas apreensões é assistir à dificuldade de se construir um consenso em torno de uma causa comum — o combate à covid-19 — e perceber a posição difícil em que o país se encontra. É motivo de preocupação, ainda, observar o cenário que se desenha à frente, com uma média de 600 mortos e 40 mil novos casos por dia, e uma legião de brasileiros desassistidos, desempregados, sem citar aqueles que implorarão por atendimento médico na fila das UTIs. O que nos aflige é perceber que o Brasil ainda vai sofrer muito em razão da pandemia, em parte por causa do vírus, em parte por tudo que somos.
Não foram poucos os líderes que tiveram dificuldade de enxergar o problema que afligia a população. Boris Johnson, no Reino Unido, disse que apertaria a mão de todo cidadão britânico sem qualquer cuidado. Após ser acometido da doença, agradeceu ao National Health Service, o SUS britânico, pelo atendimento que o ajudou a sair vivo da covid. Ele comanda o governo da primeira nação a anunciar a imunização contra o novo coronavírus. Mas afirmou que a vacina “não é o fim da luta nacional contra o coronavírus”. O primeiro-ministro britânico poderia lembrar a passagem do discurso histórico do seu antecessor Churchill, que, ao antever a ameaça do nazismo, disse não ter nada a oferecer, exceto “sangue, trabalho, lágrimas e suor”.