Na contramão do que prega o presidente Jair Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, ontem, por 10 votos a 1, que a vacinação contra o novo coronavírus pode ser obrigatória. Apesar de entender que a imunização não deve ocorrer à força, a Corte definiu que podem ser aplicadas sanções administrativas contra quem se recusar a receber as doses — como ser impedido de acessar determinados serviços e lugares. Os magistrados seguiram o voto do relator, ministro Ricardo Lewandowski, que avaliou duas ações, impetradas por PTB e PDT. Ele defendeu que a vacinação deve ser aplicada para proteger a saúde da população e evitar a continuidade de uma contaminação em massa.
A ministra Cármen Lúcia, favorável à vacinação compulsória, destacou que uma pessoa infectada pode transmitir o vírus para outras, e o que tem maior relevância é a saúde coletiva. “O egoísmo não é compatível com a democracia. A Constituição não garante liberdade a uma pessoa para ela ser soberanamente egoísta. É dever do Estado, mediante políticas públicas, reduzir riscos de doenças e outros agravos, adotando as medidas necessárias para proteger a todos da contaminação de um vírus perigoso”, enfatizou.
De acordo com o ministro Alexandre de Moraes, as pessoas que se recusam a tomar vacinas no Brasil são as mesmas que não se opõem à imunização quando há essa obrigatoriedade para viajar ao exterior. Muitos países exigem que os visitantes estejam vacinados para diversas doenças, como a febre amarela. “Pessoas se exaltam contra a possibilidade de vacinas, contra pesquisas de vacinas (…). São as mesmas pessoas que não se importam em correr para tomar vacina de febre amarela para poder ir ao exterior em busca de paraísos exóticos”, completou.
Pelo entendimento, a vacinação obrigatória pode ser aplicada pela União, por estados ou municípios. Indicado por Bolsonaro para o Supremo, o ministro Kassio Nunes Marques foi o único que votou diferente dos demais. Ele avaliou que a vacinação obrigatória deve ser adotada apenas como medida extrema.
Horas depois, Bolsonaro criticou a decisão da Corte. Para ele, o tema foi tratado de forma açodada, o que seria uma irresponsabilidade. O chefe do Executivo ponderou que, em 2021, não haverá vacinas disponíveis para toda a população. Assim, segundo ele, uma pessoa pode dizer que quer ser imunizada e, mesmo assim, não receber a vacina. “É uma irresponsabilidade tratar uma questão que trata de vidas, para salvar ou para ter efeito colateral, tratar com açodamento, com correria. Uma irresponsabilidade”, opinou, em transmissão nas redes sociais. “O que o Supremo decidiu hoje (ontem)? Medidas restritivas para quem não tomar vacina de forma voluntária (...). O que são medidas restritivas? Não pode tirar passaporte, não pode tirar carteira de habilitação.” Bolsonaro fez questão de afirmar que, da parte dele, nenhuma retaliação será aplicada a quem se opuser à vacinação.
Autonomia
Em outro revés para o governo, Lewandowski autorizou, ontem, que governadores e prefeitos de todo o país comprem vacina contra a covid-19, que esteja registrada por, ao menos, uma das principais autoridades sanitárias estrangeiras e liberadas para distribuição comercial nos respectivos países, ainda que não tenha o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A decisão do magistrado é no âmbito de uma ação protocolada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) e vale até que a matéria seja submetida à análise do plenário da Corte.
A importação e a distribuição de vacina por parte dos outros entes federativos vale se a União não cumprir o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, ou caso “este não proveja cobertura imunológica tempestiva e suficiente contra a doença”. Nesse caso, estados e municípios podem adquirir imunizantes previamente aprovados pela Anvisa ou, se a agência não expedir autorização competente no prazo de 72 horas, importar o produto.“poderão importar e distribuir vacinas registradas por, pelo menos, uma das autoridades sanitárias estrangeiras e liberadas para distribuição comercial nos respectivos países”.
As agências em questão são as previstas na Lei 13.979/2020, que determina medidas de combate ao novo coronavírus: FDA (dos Estados Unidos); EMA (Europa); PMDA (Japão) e NMPA (China).