Uma semana depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar improcedente a possibilidade de reeleição para as presidências do Legislativo dentro da mesma legislatura, uma verdadeira disputa tomou conta da Câmara. De um lado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) tenta manter a hegemonia para eleger o sucessor. Na outra ponta, o líder do Centrão, Arthur Lira (PP-AL), busca derrotar o atual presidente da Casa com o apoio do Palácio do Planalto.
Até então conhecido pelo grande poder de agregação, Rodrigo Maia viu seu grupo começar a se dissolver depois que aliados ficaram irritados com a indefinição de um nome para lhe suceder. O bloco do democrata conta com seis partidos e, pelo menos, quatro possíveis candidatos. Até então apontado como um dos nomes do bloco, o líder do Republicanos e atual vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (SP), acabou tirando seu partido das negociações e pode se lançar como terceira via na disputa ou até integrar o grupo de Lira.
Enquanto Maia busca um nome para abençoar, Lira correu por fora ao lançar a candidatura com o apoio de nove siglas. Além disso, o integrante do Centrão está contando com o aval do governo de Jair Bolsonaro, que, nas negociações, tem oferecido liberações de emendas orçamentárias e cargos no Executivo para quem apoiar o deputado do Progressistas.
Apesar de estarem em lados opostos, os dois grupos convergem nas pautas de interesse, que vão desde o comando da agenda política pelos próximos dois anos, até as eleições presidenciais de 2022. Para o analista político Pedro Bosco Moreira, essa eleição será uma das mais disputadas dos últimos anos. "Se, por um lado, Maia quer continuar influenciando na pauta para combater o governo, o Executivo quer derrotar Maia para conseguir ter um cenário favorável de aprovação de suas propostas na Casa. Com isso, ambos já começam a desenhar cenários para as eleições presidenciais", afirma Moreira.
Articulação
Com intenções claras de disputar a reeleição em 2022, o presidente Jair Bolsonaro aposta que com Arthur Lira, no comando da Câmara, terá mais facilidade para aprovar as pautas e chegar com mais fôlego para a disputa eleitoral. Nesta linha, o Planalto está focado em conseguir maioria para o líder do Centrão. No balcão de negócios, a reforma ministerial planejada pelo Executivo no começo do próximo ano entrou na conta. Nesta semana, Marcelo Álvaro Antônio foi demitido do Ministério do Turismo depois de acusar o chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, de negociar seu cargo com o Congresso. Ramos é o responsável pela articulação política do governo com o Legislativo.
Conforme apurou o Correio, Álvaro Antônio foi avisado por um parlamentar que Ramos estaria oferecendo a pasta dele em troca de apoio para as eleições da Presidência da Câmara. Em um grupo de WhatsApp dos ministros, o então chefe do Turismo chamou Ramos de "traíra".
"Não me admira o senhor ministro Ramos ir ao PR (presidente da República) pedir minha cabeça, a entrega do Ministério do Turismo ao Centrão para obter êxito na eleição da Câmara dos Deputados", escreveu Álvaro Antônio em um dos trechos.
Além disso, o então ministro, que é deputado federal pelo PSL de Minas Gerais, afirmou que, com as concessões ao Centrão, o governo paga um preço “nunca visto antes na história” para a aprovação de matérias na Câmara. “Ministro Ramos, o senhor entra na sala do PR comemorando algumas aprovações insignificantes no Congresso, mas não diz o altíssimo preço que tem custado, conheço de parlamento, o nosso governo paga um preço de aprovações de matérias nunca antes vistas na história...”
A divulgação das mensagens irritou Bolsonaro, que acabou antecipando a demissão de Álvaro Antônio. No mesmo dia, o presidente confirmou que Gilson Machado, que até então comandava a Embratur, iria para o posto. Entretanto, Gilson será uma espécie de ministro "tampão", e a troca deverá ocorrer no começo do próximo ano, a depender das negociações com o Congresso.
Além do Ministério do Turismo, também estão na roda de negociações a pasta da Cidadania, hoje comandada pelo ministro Onyx Lorenzoni e a da Saúde, atualmente com Eduardo Pazuello. Outra ponta da articulação vem sendo a possibilidade de criação do Ministério do Esporte.
Independência
Apesar de não ter o apoio da máquina do Executivo, Rodrigo Maia aposta nos acordos internos da Casa para conseguir a maioria. Em seus discursos, o democrata tem alegado que Lira é o candidato do Bolsonaro, e que, portanto, entregaria a Casa ao Executivo. "(O governo) não está tentando interferir pela pauta econômica. Está tentando pela pauta de costumes, armas, meio ambiente, minorias. É muito claro isso. Vai colocar em risco o ambiente de relacionamento por todo esse campo da centro-direita que sempre votou a pauta sem precisar de emenda e cargo", disse Maia, recentemente.
Mesmo com essas ofensivas, o grupo de Maia já é visto com menos privilégio dentro da Casa e com as negociações mais atrasadas. Havia a promessa de que o nome fosse apresentado ainda na última semana, mas isso não ocorreu.
"Como não posso escolher meus filhos, a preferência nunca será pessoal, é sempre uma preferência de quem consegue manter de pé um projeto para derrotar essa pressão, essa pata do governo dentro da Câmara dos Deputados que vai ser muito ruim", disse Maia.
A pressão sobre o atual presidente já ocorre dentro do seu próprio partido. Sem o comando do Senado, e sem um indicado na Câmara, integrantes do DEM afirmam que o partido perde fôlego para a disputa presidencial. "Precisamos ter uma força dentro do Legislativo para chegar com força na formação de chapa para as eleições de 2022. Só que, com essa trava do Maia, estamos ficando para trás", afirmou um integrante do DEM ao Correio.
Paralelo às eleições da Câmara, Rodrigo Maia vem conversando com outras lideranças políticas a formação de uma chapa de centro para disputar em 2022. O democrata já teve sinalizações do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), do ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT) e do apresentador Luciano Huck. Portanto, ter um aliado na Casa legislativa é tido como essencial para que o projeto avance.
A ideia de Maia é que o seu sucessor conte com o apoio do DEM, MDB, PSDB, Cidadania, além do Republicanos, PSL, Pros e partidos de oposição. Se todas essas legendas estivessem unidas, o bloco do presidente da Câmara reuniria, aproximadamente, 300 dos 513 deputados para enfrentar Lira e o Centrão.