Diante das polêmicas em torno dos textos preliminares do relatório da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 186/2019, a PEC Emergencial — entregues aos líderes no início da semana —, o senador Marcio Bittar (MDB-AC) decidiu não enviar o parecer que estava previsto para ser votado pelo Senado, na semana que vem, alegando como motivos a “complexidade das medidas e da atual conjuntura do país”.
A PEC Emergencial trata da regulamentação dos gatilhos que precisam ser acionados no caso de descumprimento da regra do teto —, emenda constitucional que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior. Quando os gastos superarem 95% das receitas, por exemplo, estão previstos o congelamento de salários e até a redução de 25% da remuneração dos funcionários. Bittar vinha construindo um texto dessa PEC aglutinando as do Pacto Federativo e dos Fundos, que tinham sido enviadas ao Congresso pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, no fim do ano passado, e estavam praticamente paradas mesmo antes da pandemia da covid-19. Em uma das propostas, Bittar chegou a propor uma flexibilização do teto de gastos, o que provocou críticas do mercado, e ele mudou a proposta.
“Nas últimas semanas, trabalhei para construir um texto de consenso que ajude o Brasil a solucionar os graves problemas que enfrenta. Consultei governo, líderes do Congresso e parlamentares. Em vista da complexidade das medidas, bem como da atual conjuntura do país, decidi não mais apresentar o relatório da PEC Emergencial em 2020”, afirmou Bittar, em nota divulgada na manhã de ontem.
O parlamentar ganhou apoio do presidente Jair Bolsonaro na elaboração do relatório da PEC, após o chefe do Executivo criticar o projeto do Renda Brasil, programa que deveria substituir o Bolsa Família com recursos de outros benefícios sociais, como o abono salarial. Após o comandante do Planalto vetar o nome Renda Brasil, Bittar propôs incluir o novo programa social na PEC Emergencial, sob o nome de Renda Cidadã. Mas, a proposta do senador de financiar o benefício por meio do adiamento do pagamento de precatórios não foi bem-aceita pelo mercado, por configurar calote de decisões judiciais. Desde então, o senador não apresentou nenhuma nova proposta para o programa, e o governo voltou a cogitar a manutenção do Bolsa Família, mas “ampliado”, incluindo beneficiários do auxílio emergencial, que deixará de ser pago a partir de 31 de dezembro.
De acordo com senador Fernando Bezerra (MBD-PE), líder do governo na Casa, o adiamento da PEC Emergencial foi uma iniciativa conjunta. “A decisão foi minha e dele. Marcio Bittar encaminhou a minuta do relatório para todos os líderes, e a avaliação nossa foi muito positiva para a votação do texto na próxima semana. Mas, os líderes entraram em contato, ponderando que só tinham a quinta-feira para poder votar essa matéria e, eventualmente, alguns senadores poderiam contestar os aspectos regimentais”, argumentou Bezerra, em entrevista ao Correio. O líder admitiu que Guedes ficou frustrado com a decisão. Procurada, a assessoria do Ministério da Economia não comentou o assunto.
Bezerra contou, ainda, que a prioridade do Executivo será focar na sessão plenária do Congresso, marcada para o dia 16, para a votação do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) e dos vetos. “E, por essa avaliação do risco, a gente tomou a decisão de só lançar a PEC Emergencial em fevereiro de 2021. Acredito que as conversas com os líderes estão indo bem, e a matéria, em fevereiro, vai ter tramitação rápida e uma boa votação depois da eleição das duas Casas”, afirmou ele, evitando comentar sobre o pleito para as presidências da Câmara e do Senado e potenciais candidatos.
Reação nos mercados
O novo adiamento da PEC Emergencial, entretanto, não foi bem-visto pelo mercado. Após a divulgação da carta de Bittar, informando que o relatório será apresentado apenas em fevereiro, após a eleição da Presidência das duas Casas Legislativas, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) chegou a cair quase 1% na primeira meia hora de pregão.
A aprovação da PEC Emergencial está na conta para os cenários positivos do mercado, porque é a garantia do cumprimento das regras fiscais e da manutenção do teto, que é vista como a medida mais importante para o controle das contas públicas no pós-pandemia. O objetivo é evitar uma explosão da dívida pública bruta, que está cada vez mais perto de 100% do Produto Interno Bruto (PIB), patamar considerado insustentável para países emergentes, como é o caso do Brasil.
“A PEC Emergencial tem um dispositivo importante, que é o gatilho para corte de despesas, e isso é um instrumento que daria mais tranquilidade no caso de descumprimento do teto de gastos em 2021”, destacou o economista-chefe da JF Trust Investimentos, Eduardo Velho. Ele lembrou que o mercado, em parte, também refletiu a piora do cenário externo, em função dos dados do mercado de trabalho dos Estados Unidos, com aumento no pedido de seguro-desemprego acima do esperado e por conta do impasse para o acordo do novo pacote fiscal norte-americano. “O adiamento da PEC também aumenta as incertezas em função das questões fiscais pendentes”, completou.
“A PEC Emergencial representava aquele fiapo de providências corretas para segurar a avalanche de gasto público inútil e imoral que consome o Brasil. Para comprovar a total falta de sintonia do Brasil desgovernante sobre o Brasil desgovernado, o Congresso adiou a emergência”, resumiu o economista Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ele demonstrou desconfiança com o fato de, no meio dessa confusão, o ministro da Economia decidir tirar férias, antes mesmo de saber se o PLDO será aprovado. Conforme despacho no Diário Oficial da União (DOU), Guedes sairá de férias a partir de 18 de dezembro e retornará em 8 de janeiro.