A economia está se recuperando de forma mais lenta que o esperado, com algumas previsões apontando uma volta do Produto Interno Bruto (PIB) ao patamar de 2019 apenas no fim de 2021. Apesar disso, o Banco Central vai encerrar o ano sem novas mudanças na taxa básica de juros, a Selic, que deve ser mantida em 2% ao ano, o menor patamar da história, conforme o consenso do mercado.
Para os analistas ouvidos pelo Correio, na última reunião de 2020 do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que ocorre amanhã— quando será divulgado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de novembro — e na quarta-feira, o BC não vai mexer na Selic porque a autoridade monetária continuará focada em sua missão principal: preservar o valor da moeda. E, nesse sentido, os riscos de uma escalada na inflação oficial estão descartados, mesmo com os preços de alimentos acumulando altas de dois dígitos. Por isso, eles acreditam que o BC não deve adotar mudanças drásticas na política, pelo menos, durante a primeira metade de 2021, prolongando o cenário de juros reais (descontada a inflação) negativos.
A expectativa de manutenção da Selic no início do próximo ano ganhou força após a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) antecipar para dezembro o aumento da tarifa da conta de luz para o patamar mais alto da bandeira vermelha. “O reajuste na tarifa deu mais tempo para o Copom manter os juros em 2%, porque trouxe a pressão inflacionária de preços administrados para 2020. Com isso, não há mais apostas de que o BC vai elevar a Selic no início de 2021”, explica Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Investimentos. Ele levou de 3,8% para 4,2% a previsão de inflação deste ano, após o reajuste.
Pelas projeções do economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ao manter a Selic, o Copom dará uma sinalização de que a perspectiva, agora, é não subir os juros nas próximas reuniões, algo que só deve ocorrer no fim do ano que vem. “A medida da Aneel, aumentando a luz este mês, aliviou o próximo ano. Com o dólar caindo, capacidade ociosa ainda elevada e sem novos auxílios emergenciais, a inflação deve subir menos em 2021”, diz o ex-diretor do BC.
As projeções do mercado estão em 3% para a taxa no fim de 2021 e as expectativas para o IPCA de 2020 e 2021 mostram um comportamento dentro das metas, destaca Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria. “A recuperação da economia será gradual e as pressões de demanda devem ter uma acomodação que vai se reverter nos preços. Com isso, a inflação deve continuar sob controle, e o BC continuará com o discurso para o governo manter o regime fiscal e evitar aumento dos juros precipitadamente”, avalia.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) sinalizou essa possibilidade de corte na Selic e defendeu uma redução gradual dos estímulos fiscais em relatório divulgado recentemente. Mas, para analistas, caso o governo escorregue nessa agenda de consolidação fiscal e de manutenção do teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior —, o Copom poderá antecipar o início de alta da Selic.
Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, reconhece que há incertezas no processo de retomada da economia no ano que vem. Padovani projeta alta de 4% no PIB de 2021, “embora o resultado do terceiro trimestre sugira algo mais próximo a 3,5%”. “A vacinação é um fator não econômico que vai fazer com que o setor de serviços, que está mais atrasado, recupere terreno”, afirma.
Os juros básicos do Brasil são elevados se comparados com países desenvolvidos e até mesmo com países vizinhos, como Peru (0,25% ao ano), Chile (0,5%) e Colômbia (1,75%), com exceção da Argentina, com juros na casa de 38% anuais.
Desconfiança
Apesar da elevada desconfiança de que o governo conseguirá controlar as contas públicas, o Tesouro Nacional conseguiu emitir US$ 2,5 bilhões no mercado externo, na quarta-feira passada, aproveitando o excesso de liquidez no mercado externo, que aumentou após a vitória do democrata Joe Biden na corrida à presidência dos Estados Unidos e com a expectativa de novos pacotes fiscais dos EUA e da Europa. Para o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, entretanto, essa emissão não reflete aumento na confiança no país, uma vez que o Peru conseguiu emitir bem mais: US$ 4 bilhões. “Devido ao excesso de liquidez externa, o fluxo de investimentos estrangeiros está direcionado para os mercados emergentes e, portanto, não é uma coisa só nossa. E, nesse contexto, o Brasil não é o mais querido, mas não é apenas pelo risco fiscal. Ele não tem perspectiva de crescer de forma robusta e, portanto, não há perspectivas de ganhos com a economia”, destaca.
José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central e chefe do Centro de Estudos Monetário do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), também reconhece que esse movimento de entrada de estrangeiros no país tem a ver com “um alinhamento de bons ventos externos”, com a expectativa de recuperação da economia global. “Os países emergentes estão se beneficiando com essa onda de euforia em busca até de empresas consideradas arriscadas, e o mercado não está considerando os obstáculos de um processo de retomada da economia”, avalia.
Entre os economistas não há um consenso de que a poupança guardada pelos brasileiros na pandemia deverá se tornar em consumo no ano que vem devido ao elevado grau de incertezas no mercado de trabalho. Eles lembram, ainda, que os juros baixos ajudaram a alavancar empréstimos para a retomada da indústria e do comércio na crise sanitária, mas ainda não surtem efeito nos serviços, que têm um peso de 70% na PIB. Esse segmento, que é o que mais emprega, só deverá recuperar o patamar pré-crise com uma vacinação maciça, segundo Tatiana Ribeiro, economista-chefe da BNP Paribas Asset. Ela prevê o desemprego chegando a 16% no ano que vem.