Em situação crítica por causa da pandemia do novo coronavírus, o Rio de Janeiro passa, ao mesmo tempo, pelo desmoronamento da estrutura política. Quase quatro meses após o governador Wilson Witzel (PSC) ser afastado do cargo, por acusações de corrupção, o prefeito da cidade, Marcelo Crivella (Republicanos) foi preso preventivamente, ontem, por ordem de uma desembargadora do Tribunal de Justiça do estado. Horas depois, porém, o ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), modificou a decisão para prisão domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica. O político, que estava a nove dias de terminar o mandato, é acusado de liderar um esquema ilegal na prefeitura, chamado de “QG da Propina”, que teria movimentado, ao menos, R$ 53 milhões.
A operação foi deflagrada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, e os mandados, cumpridos pela Polícia Civil. O prefeito foi detido em casa. Além dele, foram presos o empresário Rafael Lopes e o delegado aposentado Fernando Moraes. O ex-senador Eduardo Lopes, também do Republicanos, está sendo procurado pela polícia. Ele não foi encontrado no endereço residencial. Lopes era o suplente de Crivella no Senado e foi secretário estadual de Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento do governo Witzel. Entre os denunciados, está, também, o marqueteiro Marcello Faulhaber, que, na última eleição, trabalhou na campanha de Eduardo Paes.
O MP justificou a prisão de Crivella com o argumento de que o prefeito ameaçava as investigações — ele tinha, por exemplo, fornecido um telefone celular que não era o seu quando foi alvo de buscas em setembro.
A Promotoria calculou o momento da operação levando em conta o período eleitoral — quando receberia críticas se prendesse o prefeito e candidato à reeleição — e a perda do foro, que mudaria toda a competência do caso.
Ao ser preso, Crivella se disse vítima de perseguição política, sem citar nomes. “Lutei contra o pedágio ilegal, tirei recursos do carnaval, negociei o VLT (veículo leve sobre trilhos), fui o governo que mais atuou contra a corrupção no Rio de Janeiro”, alegou ele.
Corrupção sistêmica
Em agosto deste ano, investigações sobre desvios milionários em recursos públicos, destinados à educação e saúde do Rio, levaram o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a afastar do cargo, por seis meses, o governador Wilson Witzel. A decisão da Corte atingiu, de maneiras distintas, toda a cúpula do Executivo carioca, já que o vice-governador Cláudio Castro, e o presidente da Assembleia Legislativa do Estado, André Ceciliano, também são alvos das apurações. No entanto, Castro não foi afastado e assumiu o comando do estado.
Em 2018, foi preso o ex-governador Luiz Fernando Pezão, que estava em exercício. Ele acabou detido pela Lava-Jato no Palácio das Laranjeiras, sede do governo. Pezão foi denunciado por Carlos Miranda, então operador financeiro de Sérgio Cabral, outro ex-governador que foi para a cadeia acusado de corrupção. Em comum, as investigações apontam que a corrupção no governo do Rio, tanto no Executivo quanto na Assembleia Legislativa, e até mesmo no Judiciário, é sistêmica e continua em andamento a cada nova gestão.
O cientista político Danilo Morais dos Santos, mestre em ciência política e professor do MBA em Gestão de Políticas Públicas do Ibmec/DF, destacou “olhando a situação do Rio, temos uma generalização do crime, do narcotráfico, das milícias”. “O crime foi muito capaz de cooptar o estado. Foram competentes em penetrar no governo”, avaliou. (Com Agência Estado)
Acusação
Em janeiro, assume Eduardo Paes (DEM), prefeito eleito, e que também é alvo de um processo na Justiça Eleitoral, acusado de receber R$ 10 milhões em propina. Ele teve os bens bloqueados, no curso da investigação. Durante debates na campanha eleitoral, Crivella, que tentava a reeleição, chegou a dizer que Paes seria preso antes de assumir o mandato, caso fosse vencedor do pleito.
Entenda o caso
QG da Propina
O Ministério Público aponta a existência de um “QG de Propina”, que seria gerido pelo prefeito Marcelo Crivella. Os pagamentos seriam feitos por empresários em troca de vantagens em contratos da prefeitura ou por verbas públicas. Segundo o MP, o empresário Rafael Alves era o intermediário. Ele tinha poderes para interferir na administração pública, oferecendo vantagens em troca de propina.
As investigações indicam que empresas que tinham interesse em fechar contratos ou tinham dinheiro para receber da Prefeitura entregavam cheques para o empresário, irmão de Marcelo Alves, então presidente da Riotur. Em troca, Rafael facilitaria a assinatura dos contratos, ou o pagamento das dívidas. De acordo com o MP, o QG da Propina arrecadou mais de R$ 50 milhões durante o mandato de Crivella.
O esquema foi descoberto a partir da delação premiada do doleiro Sérgio Mizrahy, preso no âmbito da Operação Câmbio Desligo, um dos desdobramentos da Lava-Jato fluminense.
Por ter sido o principal articulador econômico para a campanha de Crivella em 2016, Rafael Alves exercia influência constante sobre o comandante carioca. Segundo o MP e a Justiça, o prefeito acatava ordens do empresário como se fosse um subordinado: desfazia atos administrativos a pedido dele, por exemplo.
Rafael, de acordo com as investigações, trabalhava de uma sala na Prefeitura que ficou conhecida como QG da Propina.
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