>> entrevista Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva General de Exército

Chefe do Exército relata como o ensino de militares precisou continuar na pandemia

Ante à impossibilidade de parar, chefe do Departamento de Educação e Cultura relata como o Exército se preparou para formar quadros

Bruna Lima
postado em 21/12/2020 06:00
 (crédito: Arquivo Pessoal)
(crédito: Arquivo Pessoal)

Quando a pandemia do novo coronavírus recrudesceu, em março passado, e houve a decretação do lockdown, imediatamente emergiu a preocupação com o ensino de milhares de jovens e crianças. Educadores e instituições de ensino se debruçaram sobre o problema e anteciparam, como forma de mitigar a crise –– a fim de que o ano letivo não fosse definitivamente perdido ––, o ensino a distância.

No Exército, a preocupação e os desafios não foram diferentes: como manter uma máquina educacional funcionando e formando jovens e militares de carreira sem que a qualidade ficasse comprometida. Nesta entrevista ao Correio, o chefe do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx), general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, salienta que, em todo o tempo, a máquina se manteve funcionando para que as soluções fossem encontradas –– mesmo porque, a Arma tem um compromisso permanente com a defesa do país e, portanto, não tem como interromper as atividades.

“No que consiste às orientações do comandante do Exército, posso dizer que foram simples: preservar a família militar e manter a operacionalidade”, observa o general.

Para o chefe do DECEx, entre as adaptações realizadas, uma teve especial sucesso: a conjugação entre o ensino presencial e o virtual. O general, aliás, coloca-se à disposição para debater, com educadores e as redes de ensino privada e pública, o sucesso da experiência dos colégios militares durante a pandemia.

O tema do momento é a vacinação contra a covid-19. Há alguma previsão para quando a imunização será feita com os militares?
Isso fará parte de uma diretriz nacional, que vai ser encampada pelo Ministério da Saúde. Seguramente, temos um centro de operação de saúde do Exército que trabalhou o tempo todo, foi montado pelo comandante do Exército (Edson Pujol) para atender a todas as medidas sanitárias, orientar para dentro da Força. À semelhança do que tem acontecido com as outras vacinas, haverá prioridade para os profissionais da área de saúde, pessoas idosas, com comorbidades e pessoas que não podem parar. Seguiremos o faseamento determinado pelo ministério.

Mas, essa vacina será obrigatória ou ficará a critério de cada um?
Vai depender da interpretação da lei. Hoje, a vacina não é obrigatória, mas temos algumas que constam como regularmente aplicadas a todos aqueles que incorporam. Outras não –– vai depender da interpretação. Mas, aqui é diferente, pois cumprimos ordens. Quando o camarada entra na escola militar, e se tem um programa de vacinação, vamos vacinar todo mundo. O cara está constantemente em risco, é diferente. Quando se entra para a junta militar, há o cuidado e, a depender da missão, toma-se uma bateria de vacinas. Quando fui para o Haiti, por exemplo, tomei sete vacinas no mesmo dia.

Nada muda?
Absolutamente nada, porque o serviço continua e é essencial. Uma coisa tenho certeza: o ano que vem será melhor do que este ano. Porque já temos a expertise. Se conseguimos não parar neste ano, no ano que vem é que não iremos parar mesmo. Temos todas as condições, convicções de que o sistema tem plena condição de funcionar em segurança. Ainda mais com as vacinas que virão. E elas virão, é uma questão de decisão. E, nós estamos totalmente fora de qualquer contexto de discussão política.

Quais os principais esquemas montados para garantir a continuidade das escolas de formação durante a pandemia?
O sistema de educação e cultura do Exército é complexo. Envolve uma educação customizada, profissional, voltada para a formação de quadros, além de uma parte assistencial, dos colégios militares. A maior parte é voltada para proporcionar a formação, qualificação necessária para que os camaradas desenvolvam as habilidades e preencham os quadros, o que está diretamente envolvido com a operacionalidade da Força. Neste ano, temos cerca de 42 mil alunos passando pelo sistema, sendo 39 mil presenciais. Quando a pandemia chegou, o alto comando recebeu orientações do comandante do Exército e diretrizes também do ministro da Defesa (Fernando Azevedo e Silva). No que consiste às orientações do comandante do Exército, posso dizer que foram simples: preservar a família militar e manter a operacionalidade. Dentro da operacionalidade da Força, temos um compromisso em continuar formando, já que somos uma atividade essencial. Esse é o caso das academias militares, escolas de formação de sargentos, curso de formação de oficiais médicos, por exemplo. Todo esse pessoal, já do quadro militar, estava sujeito, em caso de necessidade, a ser utilizado. Desde o começo, a nossa intenção — de acordo com as diretrizes do comandante do Exército e que virou uma diretriz minha para o sistema — era a de não parar, tomar as medidas sanitárias para que a gente pudesse permitir prosseguimento das atividades.

Quais foram as principais preocupações?
Me preocupava especialmente com os cerca de 4,5 mil militares que estavam no sistema de internato. Esse pessoal não parou. Tivemos uma série de adaptações, flexibilizações e um acompanhamento sanitário muito acirrado. As pessoas tiveram muita responsabilidade, os alunos tiveram muita compreensão. No momento inicial, em março, optamos por mantê-los mais reclusos para protegê-los. Isso nos permitiu até mesmo um adiantamento de conteúdos presenciais, em acordo com os alunos. A residência do interno é a escola. Por esses fatores, e também porque tínhamos problemas com transportes, ele passou praticamente dois meses internado.
Depois disso, começamos a fazer saídas restritas para que os internos pudessem visitar familiares, fazer compras básicas. Permitimos saídas controladas e cuidando, monitorando muito acirradamente. Foi preciso mudar procedimentos. No primeiro semestre, diminuímos as atividades de campo mais intensas, conseguimos fazer tudo com cuidado. E, à medida que a pandemia foi passando, fomos alterando medidas e flexibilizando de local para local. Desta forma, no segundo semestre, começamos a ver que dava para fazer as atividades mais intensas. Essa experiência de preparo foi uma experiência exitosa e apresentá-la à sociedade é uma forma de mostrar que é possível manter atividade de educação presencial com cuidado.

Houve necessidade de adotar medidas de monitoramento de grupos por casos confirmados de covid-19 dentro das escolas?
A pandemia comporta-se indiscriminadamente em qualquer local. Nunca se negou que estivesse havendo a doença. Temos informações sanitárias, médicos nos quartéis. Houve um preparo e, imediatamente, quando a pessoa apresentou os sintomas, foi isolada, teve cuidados médicos, às vezes, de maneira mais fácil do que uma pessoa que estivesse fora do estabelecimento de ensino. Houve infecções em todas as escolas, em períodos distintos. Mas, a gente conseguiu tirar o camarada e adotou as medidas necessárias.
Nosso público também é diferenciado, porque todos que entram são submetidos ao exame físico, de saúde. Então, nas escolas e formação, não tivemos nenhum caso de comorbidade que necessitasse de um afastamento de alguém. Todos os que tiveram a covid-19, no sistema inteiro de internato, passaram bem, com sintomas leves ou assintomáticos.

O Exército também atua em serviço essenciais. Qual o tamanho da responsabilidade em dar prosseguimento a essas formações, sobretudo diante de uma situação de emergência de saúde?
Dentro das escolas de saúde, que formam médicos, enfermeiros, dentistas, oficiais de alto padrão, todos foram utilizados durante a pandemia. Inclusive, pela maior exposição, as primeiras manifestações de covid-19 que a gente teve no sistema foram entre o pessoal de saúde. O pessoal voluntariou-se para ser empregado para reforçar as equipes médicas e se saiu muito bem. Este é um setor que não podia parar, é formado justamente para atender nestes casos. No caso do médico, ele já chega formado. A Escola do Comando do Exército é para militarizar esse médico. Do ponto de vista médico, essa turma foi, de certa maneira, privilegiada, porque a formação deles foi complementada por uma situação real. Houve casos de escolas que foram incentivadas a fazer operações, participar dos comandos conjuntos.

A partir da experiência deste ano, o que fica de aprendizado para ser incorporado, em 2021, no combate à pandemia?
Vieram para ficar o ensino híbrido e a educação 4.0, que é essa dinâmica de ter o ambiente virtual de aprendizagem espelhando a sala de aula. Isso é algo que, em determinados momentos, você vai usar em conjunto com o ensino presencial. Mas, é uma ferramenta que tem que ser usada com muita responsabilidade, porque o ensino presencial, pela sociabilização que proporciona, é muito importante para todos. Nossas escolas todas trabalham o ensino por competência. Então, temos muita contextualização e há coisas que são para serem feitas na prática. Mas, o sistema virtual não tem como desprezar. É uma realidade que se apresentou e cada vez mais necessitamos investir nela. É uma experiência válida para todas as escolas. Sem dúvida, vamos continuar investindo nessa educação híbrida. Já temos o Centro de Educação a distância. Não é o local onde se coloca o curso a distância, mas onde se ensina as pessoas a trabalharem com educação a distância — treina, oferece ferramentas. Isso ajudou nosso sistema a funcionar muito bem.

Como os colégios militares funcionaram no sistema a distância?
Eles deram um show no ambiente virtual de aprendizagem. Foram três avaliações trimestrais feitas neste ambiente virtual, mas com consistência, com conteúdo. Rapidamente se adaptaram. No entanto, é preciso ressaltar que o colégio militar é uma situação diferente da educação customizada. É uma educação assistencial, de ensino fundamental e médio. A tratativa foi diferente, mas percebeu-se, em um determinado momento, que a gente tinha mais segurança para voltar do que as escolas públicas. A gente sempre esperou o entendimento dos comandantes militares de área com as autoridades de educação de estados e municípios.

O senhor considera, agora, que os colégios militares estão aptos ao novo normal imposto pela pandemia?
Os colégios militares provaram que têm todas as condições para funcionar presencialmente. Precisamos gerenciar adaptações pontuais, como a de tratar diferenças de alunos que têm necessidades especiais, comorbidades. É possível ter um ambiente virtual de aprendizagem funcionando, e crianças e adolescentes com algum problema que os tornam vulneráveis ao novo coronavírus, se utilizando dele. Em mais de 40 países do mundo, as aulas presenciais não pararam, mesmo com a segunda onda que presenciamos na Europa –– e, nesse quesito, estamos precavidos. Acho que os colégios militares têm condição de continuar funcionando. São 14 colégios e mais de 13 mil alunos. Hoje, posso garantir, para qualquer autoridade envolvida na parte da educação, que os colégios militares têm essa capacidade. Acredito que faz muita falta aos alunos a presencialidade no colégio militar. Inclusive, ofereço para as pessoas olharem o modelo e aplicarem em outras escolas, porque é seguro.

 

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