O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio disse ver com perplexidade a decisão do colega, ministro Nunes Marques, que altera trecho da Lei da Ficha Limpa. Marco Aurélio frisou que não critica o que foi decidido por Marques, por não ter lido a medida, mas afirma que acreditava que o assunto já estava superado, visto que o colegiado do STF julgou a constitucionalidade da lei em 2012.
"Quando nós apreciamos a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, nós apreciamos no todo. Eu penso que em cima de uma eleição, não dá para inovar", afirmou ao Correio na tarde deste domingo (20/12). A decisão de Nunes Marques suspende um trecho da lei que prevê que o prazo de inelegibilidade de oito anos vale após o cumprimento da pena e é relativa apenas ao pleito municipal deste ano. Na prática, o entendimento evita que a sanção ultrapasse oito anos.
Marco Aurélio ressaltou o artigo 16, da Constituição Federal, que prevê que "a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência".
"O que se busca com isso: a estabilidade, a certeza quanto ao que pode ou não ocorrer. É você disputar sabendo quais são as regras do jogo. Não dá para, em cima de uma eleição, você inovar ante a esse princípio constitucional. Há esse princípio. Ou seja, se nem o legislador pode inovar, o judiciário poderá? Aí que fica a pergunta no ar", afirmou. E completou: "Por isso eu vejo com uma certa perplexidade, porque Supremo já tinha enfrentado essa lei, né?".
A decisão monocrática (individual) foi no âmbito de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) do Partido Democrático Trabalhista (PDT) e se deu um dia antes do início do recesso do Judiciário. Ou seja, é preciso aguardar o retorno para que o assunto seja avaliado em plenário. Marco Aurélio ressaltou que uma atuação individual para ser referendada posteriormente "é exceção".
"Você só pode atuar isoladamente se houver, realmente, em termo de inconstitucionalidade, algo gritante. E como o Supremo antes placitou a Lei do Ficha Limpa, não dá para ficar modificando considerados as eleições que estejam ocorrendo", disse.
O ministro Marco Aurélio frisou que o Supremo endossou a lei editada pelo Congresso Nacional. "Não dá para mudar e atuar como legislador positivo. Fica difícil. O que eu penso que está na hora de nós entendermos que outros poderes também exercem o crivo de constitucionalidade", afirmou.
Questionado se via a decisão do colega como inconstitucional, disse que não poderia dizer por desconhecer os fundamentos do entendimento de Nunes Marques. "Eu imaginei que todas as dúvidas estivessem afastadas. Porque quando o Supremo declarou constitucional a Lei da Ficha Limpa, ele o fez tendo a última palavra em colegiado sobre a lei", pontuou, dizendo que é preciso "homenagear um pouco a segurança jurídica".
Insegurança
A especialista em direito constitucional Vera Chemim chamou de “aberração jurídica” a decisão de Nunes Marques, visto que o Supremo já decidiu pela constitucionalidade. A advogada também vê como grave a definição um dia antes do recesso do Judiciário, e acredita que o presidente do STF, Luiz Fux, deve cassar a cautelar. “Vai causar uma baita insegurança jurídica e confusão”, disse.
Por outro lado, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político e integrante da comissão de direito eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), Renato Ribeiro avaliou como correta a decisão. “Ele não reviu a história. Apenas se debruçou sobre uma 'lacuna' que não havia debatida ainda, nesse ponto, pelo STF”, afirmou.
O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) publicou neste domingo (20) uma nota de repúdio à decisão de Nunes Marques. O diretor Nacional do MCCE, analista político do portal Inteligência Política Melillo Dinis, disse que o movimento foi pego de surpresa e que a decisão irá gerar muita confusão no TSE e no Supremo.
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